Resumo – “República” de Platão – Livro VI

 

            O livro VI se conecta ao V no momento em que todos concordam que o filósofo deve governar a cidade, pois ele conhece a essência das coisas; é mais capaz de guardar as leis e os costumes da cidade; é avesso à mentira; é moderado, justo, bom e dotado de uma alma superior.

            Adimanto volta à “realidade” e diz a Sócrates que o filósofo na verdade é muito diferente do que se há dito até então. Ele é um ser extravagante, senão desonesto, e, ainda por cima, inútil para a cidade. Todavia, por justamente os governantes de “hoje” e a maioria da população não entenderem a essência que o filósofo conhece, pensam ser extravagante, inútil e tagarela: os papéis estão invertidos.

            Desta forma, estas qualidades pejorativas que o filósofo possui pelo povo são nada menos que um engano. Pois, este ama a verdade, tem coragem, é generoso, tem facilidade no aprendizado e boa memória. De fato, é muito útil para a cidade. Estas qualidades pejorativas miram na verdade àqueles que apenas tem pretensão de serem filósofos, os philodóxos, que foi visto no último livro, os que têm uma mera opinião das coisas. Estes são os sofistas, mercenários do saber, que buscam mais o agrado da multidão que o encontro com a verdade. Sendo assim, é muito claro que os sofistas sejam adorados, enquanto o filósofo, odiado, uma vez que fala da essência que apenas poucos conhecem.

            Interessante o fato de a crise da sociedade grega, dar à luz aos sofistas e aos filósofos, no entanto, estes últimos se encontram numa posição muito menos agradável. Pois, são alvos do orgulho ferido dos outros, sendo inventados contra si intrigas da vida privada e processos públicos, o que com efeito serve de empecilho para que governe e salve a cidade.

            Então, resta a questão de Adimanto: qual dos governos atuais é adequado à filosofia? Sócrates responde com um retumbante: “nenhum!” E, ainda completa, por esta mesma razão que todos os governos se degeneram. Desta maneira, é preciso decidir uma maneira para a cidade se relacionar com os filósofos para não perecer.

            Aqui começa uma crítica severa para a formação atual dos filósofos. Para Sócrates, ou talvez seja melhor dizer Platão aqui, é preciso de uma educação gradual desde a infância para dominar a educação do corpo até a dialética. Assim, no final de suas vidas teriam liberdade para não governar a cidade, mas para dedicar-se totalmente à filosofia.

            A hostilidade para com o filósofo se deve aos maus filósofos ou falsos, que vivem se insultando e que visam apenas interesses individuais. Sendo que o verdadeiro filósofo visa transformar a cidade ao transformar as leis, visando a justiça, a beleza, a moderação e as virtudes. Por esta razão, é capital que se escolha bem os melhores guardiões, pois o governante deve conhecer dentre todas as coisas, o bem, já que todas as outras virtudes se tornam úteis a partir dele. No entanto, o que seja o bem não é algo unânime na discussão.

            Entretanto, Sócrates julga que tratar sobre o bem é demais para a ocasião e se propõe a falar sobre o filho do bem, prometendo pagar a dívida sobre o pai posteriormente. Ele começa dissertando sobre os sentidos, mas em especial a visão, que precisa diferentemente dos outros, de um terceiro elemento para se efetivar: a luz![1]

            O Sol é a causa da luz, mas não é o olho, nem a visão. No entanto, a visão é o mais solar dos sentidos[2]. O Sol é a causa da visão que pode ser vista por ela. No mundo das essências o Bem é o mesmo que o Sol para o mundo das coisas sensíveis.

Quando a alma se fixa em algo iluminado pela verdade e o ser, ela compreende, sabe e parece possuir inteligência; mas quando se fica no que está mesclado com obscuridade, no que vem a ser e deixa de ser, ela opina e fica turva, muda suas opiniões voluvelmente e parece privada de inteligência.

Portanto, o que concede verdade às coisas conhecidas e o poder de conhecer ao conhecedor é a forma (Idéia) do bem. E embora seja a causa do conhecimento e da verdade, também é um objeto de conhecimento. Tanto o conhecimento quando a verdade são coisas belas. Mas o bem é distinto deles e os supera em beleza. No  mundo visível é com acerto que se considera a luz e a visão como solares ou semelhantes ao sol, mas é equívoco pensar que são o mesmo que o Sol, tal como aqui é acertado considerar o conhecimento e a verdade como semelhantes ao bem, mas equívoco pensar que um ou outra é o mesmo que o bem; este é ainda mais valioso.[3]

            Ou seja, o que transmite a verdade às coisas é a essência do bem. O Bem não é algo solar, mas o próprio Sol. Daí a dificuldade de falar sobre o pai. Pois, apesar de a verdade e o conhecimento serem semelhantes ao Bem, não o são. Deste modo, é preciso ter uma idéia muito mais elevada do que seja o Bem, o pai da luz.[4]

            Por fim, o princípio do mito da caverna é esboçado por Sócrates ao considerar que aqueles que estudam a partir de hipóteses e se utilizando dos objetos sensíveis, apenas se relacionam com as sombras das coisas, enquanto que aquele que aqueles que conhecem a partir de seu princípio adquirem uma inteligência plena das coisas. Sócrates dá o nome de entendimento ao que os geômetras e outros cientistas da área conhecem, algo intermediário entre a opinião e a inteligência. Sendo a ordem do maior para o menor, inteligência, entendimento, crença e opinião, pois o grau de clareza corresponde ao grau de evidência do seu objeto[5].


[1] Elemento este que será explorado no mito da caverna e muito bem discutido no texto de Gerard Lebrun, A Filosofia e sua história, no capítulo Sombra e Luz em Platão.

[2] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 302

[3] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 302-3

[4] Fato interessante aqui é que quando Glauco diz que “algo assim [o Sol e o Bem] não seria idêntico ao prazer”, Sócrates se exalta “Silêncio!” como se talvez tal idéia fosse desprezível. E logo depois Glauco diz em tom cômico “Por Apolo, que divina superioridade!” Glauco talvez tenha feito uma piada relacionando o Sol a Apolo. Mas logo parece ficar cada vez mais claro que Sócrates está incômodo de expor suas idéias a um possível ridículo (ou se desculpa por ter se exaltado). “A culpa é tua, pois me forçaste a transmitir-te minha opinião sobre isso”. PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 303

[5] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 306

Resumo – “República” de Platão – Livro VII

            O livro VII começa puxando o assunto da educação dos filósofos e o tema da luz do livro VI, onde se esboçou também uma idéia que se concretiza neste instante sobre alegoria da caverna de Platão.

            Pessoas moram presas numa caverna. Pela entrada, vem uma luz de uma fogueira. Todos os moradores estão lá desde a infância, ou seja, foram educados de uma mesma maneira desde então. Há um muro entre eles e o fogo e não conseguem olhar para trás. Desta maneira, não vêem a fonte da luz, mas apenas as figuras ou sombras que da abertura vem. Assim, os habitantes da caverna, que só viam sombras, teriam a opinião de que elas são os próprios objetos reais. Até o eco pareceria vir das sombras.

            No entanto, se fossem libertos e olhassem para trás, sofreriam pelo ofuscar da luz forte, mas, ao mesmo tempo, estariam mais perto da realidade, dos objetos reais e não de suas sombras. Se fossem obrigados a sair então, ficariam aflitos irritados por alcançar a  mais forte luz, a do Sol, a ponto de nem conseguirem discernir as coisas que lhes dissessem ser verdadeiras. Seria preciso habituar-se nesta região superior fora da caverna para então depois poder olhar diretamente ao Sol e não ao seu reflexo na água. Isto é, depois de certo tempo, pode-se alcançar o verdadeiro conhecimento, o Bem.

            A partir daí, veria que era o Sol a fonte de todas as coisas que via na caverna, as sombras ou, pode-se dizer, opiniões e que este produz as estações, o ano e as coisas visíveis.

            Entretanto, uma hora este homem pensaria  nos seus “antigos vizinhos” e lembraria de quando atribuíam prêmios para quem adivinha-se mais rápido a sombra, mas isso não fazia mais sentido agora. As sombras não são a realidade. Então, voltaria para alertá-los. Todavia, sozinho seria motivo de risos[1], lhes diria tudo para perder a credibilidade, como dizendo que sua visão estivesse prejudicada pela luz e, por fim, até matariam quem tentasse libertá-los para mostrar a luz e tirá-los deste jogo de aparências em que estavam tão bem estabelecidos desde a infância.

            Esta é para o autor desta resenha a parte mais importante do livro VII. A alegoria em si com certeza por explorar a questão solar, mas mais importante que isso é Platão tratar a vida de Sócrates ou do filósofo desta maneira. Como o homem que viu a luz diretamente e retornou para os seus iguais, mas tendo os outros sidos educados desde sempre às sombras, não queriam se desfazer de tantos anos de ilusão, de uma falsa realidade, de um prestígio que não passa de sombras dos objetos reais. Platão aqui discorre sobre a elevação da alma ao mundo superior inteligível, isto é, o Bem, o pai da luz.

            Desta forma, ficam mais clara as dificuldades que os filósofos enfrentam na cidade, pois são poucos realmente os que chegam até a última fase da educação, a de ser filósofo. E a este cabe o papel de educar na cidade ideal que se está construindo, pois é o que conhece a essência das coisas, como vimos no livro VI, e sabe os métodos da boa administração da cidade. Em resumo, cabe a todo filósofo retornar à caverna.

            Posteriormente, Sócrates toma o longo tema do processo pelo qual seriam formados os filósofos, que além da música e da ginástica, teriam de saber a ciência dos números e do cálculo, uma vez que tal ciência é útil na guerra. Porém, a matemática e a inteligência indaga também sobre a grandeza e pequeneza das coisas, se tornando não só algo útil à guerra, mas ao alcançar da essência. Assim como na geometria, que é uma ciência que lida com o que existe sempre, não com o que gera e se destrói. E também para com a astronomia que tem como campo a agricultura, a navegação, mas também ajuda a alma a acostumar-se com a contemplação do que é verdadeiro.[2]

            Como no livro VI, Sócrates diz que o que é o Sol para o mundo visível, ou seja das sensações, é o Bem para o mundo inteligível e que somente com a dialética podia-se alcançar o conhecimento da essência das coisas. Enquanto as outras artes só se apóiam em opiniões, o método da dialética destrói toas as hipóteses e torna seguro seus resultados, já que apenas este método alcança o princípio autêntico da realidade, o Bem.

            No entanto, para tal tarefa de alcançar o Bem, é preciso possuir certas disposições naturais discutidas em outros livros. Além do mais, é também preciso desenvolver outras qualidades intelectuais, morais, atléticas e virtuosas; ter facilidade no aprendizado, boa memória, abominar a mentira e destacar-se em sua grandeza.

            Por fim, Sócrates divide as etapas de ensino do filósofo em: Inicial, que corresponde da infância aos vinte anos; A segunda, que corresponde dos 20 aos trinta anos; A terceira, que corresponde dos trinta aos cinqüenta; E a última, que é quando depois de terem contemplado o bem em si, podem servir-se dele como modelo e impor ordem à cidade para então poderem se retirar tranqüilos para as ilhas do Bem-Aventurados[3], podendo serem reconhecidos como quase Deuses por seus concidadãos.


[1] Que é o que o Sócrates é vítima dos seus próprios interlocutores.

[2] Não é a única vez que Sócrates cita os pitagóricos nas obras de Platão. Aqui diz que se juntasse a harmonia aos feitos do olhos, traduzem-se tudo o que estudam os números, medidas, proporções, isto é, relações inteligíveis.

[3] Ilha mitológica de delícias no além para aqueles que praticassem o bem em vida.

Resumo – “República” de Platão – Livro VII

Resenha VIII

            Aqui Sócrates inicia o livro sobre o tirano, este último tipo de governante que se analisa desde o último livro. Para isso, é preciso aprofundar-se na questão dos desejos, mas especificamente sobre aqueles que surgem durante o sono. Pois, estes são os que escapam da nossa vigilância, da nossa razão. Isto é, a parte inferior da alma é livre da parte superior durante os sonhos. Desta maneira, há desejos em nós que são tão terríveis e selvagens que só se despertam durante o sono.

            Os zangões no regime democrático se prende aos desejos necessários até que seja arrastado ao desregramento. Ele é o que consegue criar uma relação de amor muito mais forte do que os outros desejos supérfluos. E, como diz o ditado, “o amor é um tirano” e “um homem dominado pelo amor é como se estivesse embriagado, apaixonado e louco”. Assim foi como foi demonstrado o zangão que governa e se torna o tirano no livro VIII. Ele se entrega aos desejos do amor, indo à festas, orgias, banquetes e tendo todo tipo de amantes.

            Dominado por tais desejos, o tirano cometerá até crimes e violências para satisfazê-los. Desta forma, refletirá sua alma na cidade. Ele não terá amigos, nem desfrutará da justiça e da liberdade, pela qual um dia esteve bêbado e foi escolhido para governar. De certa maneira, colherá a ressaca da embriagues de tamanho liberdade, que é nada menos a maior de todas as escravidões. Pois, o tirano tem o a miserável vida de viver em vigília o que outros vivem apenas sonhando.

            Todos pensarão que o tirano é feliz, enquanto ele é o mais infeliz da cidade. Sua vida é tanto mais desgraçada quando perversa. Desta maneira, tanto a cidade quanto o seu governante são escravos. De uma democracia com excesso de liberdade se chega à sua escassez máxima, a mais escrava de todas. Nestas condições, ambas a cidade quanto as almas dos cidadãos se encontram pobres. Elas se encontram dominadas por muitos desejos e pouco poder para os satisfazer. Por fim, se encontra nelas todos os vícios e uma vontade má direcionada em acabar com eles, no sentido de que poderiam acabar ou satisfazendo os desejos como o tirano ou dominando-os como o filósofo. Porém, a primeira é a única que o tirano conhece e, como dito anteriormente em outro livro da República, uma vida em que não se busca o bem e a virtude não merece ser vivida, já que este em vez de reinar sobre si, tiraniza-se.

            Sócrates volta ao tema da alma, dizendo que ela tem três partes: a qual aprendemos; a qual nos iramos; e a qual desejamos. Esta última corresponde ao beber, comer, amar e aos prazeres. A ira é a que tende ao dominar, vencer e à fama. A parte pela qual aprendemos, não se importa com o que procura as outras duas, a não ser pela verdade e o conhecimento. Desta maneira, alguns homens são amigos do saber, outros amigos da fama e outros amigos da riqueza. Todos dirão que seu modo de vida é o melhor, assim como acontece com a legislação de cidades distintas. No entanto, só se pode saber qual modo de vida é realmente melhor por meio da experiência e do raciocínio que só o amigo do saber possui, i. e., o filósofo. Ademais, pelo fato de o filósofo também conhecer desde criança as outras partes da alma, enquanto os outros não conhecem a parte amiga do saber.

            Logo depois, Sócrates fala sobre sua terceira analogia, que se refere à dor, ao prazer e a um estágio intermediário: o repouso da dor ou o do prazer. Este pode parecer muito bom quando se deixa a dor para trás e se tem um repouso, porém apenas aparenta ser um prazer, enquanto o prazer verdadeiro ainda não é conhecido. Entretanto, tampouco a dor é a ausência do prazer e vice-versa. O que acontece é que no caminho baixo da dor para o repouso, se tem uma subida, que se interpreta como o prazer. Todavia, só quando do repouso se vai para o prazer é que se tem a verdadeira experiência, mesmo sendo outra “subida”.

            Desta maneira,  a ignorância e a insensatez também são uma forma de ausência, que precisa de conhecimento para se alimentar como na fome. Sendo a comida para a parte mortal de nós e o conhecimento para a parte imortal. Esta última parte, Sócrates diz, se refere à alma, que é mais consistente e verdadeira, assim sente mais prazer que o corpo. Então, o filósofo conclui belamente e, como Glauco diz, como um oráculo no que é o momento mais importante para o autor desta resenha:

Portanto, os que não dispõem da experiência da inteligência e da virtude, se mantendo ocupados com banquetes e similares, são movidos para baixo e em seguida erguidos até o estado intermediário, pelo que parece, e vagam dessa forma ao longo de suas vidas, jamais ultrapassando esse estado para o que é verdadeiramente superior, jamais o contemplando ou sendo movidos até ele, de sorte que não são preenchidos com aquilo que realmente é e nunca provam qualquer prazer estável e puro. Ao contrário, mantêm-se com o olhar voltado para baixo, para o solo, como o gado, e com suas cabeças inclinadas para suas mesas, comem, engordam e copulam. Numa mútua emulação, para se sobrepujarem reciprocamente nessas coisas, eles se escoiceiam e dão marradas entre si com cornos e ferraduras, matando-se uns aos outros, posto que seus desejos são insaciáveis e o vazio que tentam preencher é como um vaso repleto de furos, e nem ele, nem as coisas com as quais tentam preenche-lo estão entre as coisas que são e que são reais.[1]

            Assim, esses indivíduos vivem em meio a prazeres mesclados com dores, a meras imagens do verdadeiro prazer, dando origem a loucas paixões e desejos eróticos e tirânicos.

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[1] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 409

Resumo – “República” de Platão – Livro VI

Resenha VI

            O livro VII começa puxando o assunto da educação dos filósofos e o tema da luz do livro VI, onde se esboçou também uma idéia que se concretiza neste instante sobre alegoria da caverna de Platão.

            Pessoas moram presas numa caverna. Pela entrada, vem uma luz de uma fogueira. Todos os moradores estão lá desde a infância, ou seja, foram educados de uma mesma maneira desde então. Há um muro entre eles e o fogo e não conseguem olhar para trás. Desta maneira, não vêem a fonte da luz, mas apenas as figuras ou sombras que da abertura vem. Assim, os habitantes da caverna, que só viam sombras, teriam a opinião de que elas são os próprios objetos reais. Até o eco pareceria vir das sombras.

            No entanto, se fossem libertos e olhassem para trás, sofreriam pelo ofuscar da luz forte, mas, ao mesmo tempo, estariam mais perto da realidade, dos objetos reais e não de suas sombras. Se fossem obrigados a sair então, ficariam aflitos irritados por alcançar a  mais forte luz, a do Sol, a ponto de nem conseguirem discernir as coisas que lhes dissessem ser verdadeiras. Seria preciso habituar-se nesta região superior fora da caverna para então depois poder olhar diretamente ao Sol e não ao seu reflexo na água. Isto é, depois de certo tempo, pode-se alcançar o verdadeiro conhecimento, o Bem.

            A partir daí, veria que era o Sol a fonte de todas as coisas que via na caverna, as sombras ou, pode-se dizer, opiniões e que este produz as estações, o ano e as coisas visíveis.

            Entretanto, uma hora este homem pensaria  nos seus “antigos vizinhos” e lembraria de quando atribuíam prêmios para quem adivinha-se mais rápido a sombra, mas isso não fazia mais sentido agora. As sombras não são a realidade. Então, voltaria para alertá-los. Todavia, sozinho seria motivo de risos[1], lhes diria tudo para perder a credibilidade, como dizendo que sua visão estivesse prejudicada pela luz e, por fim, até matariam quem tentasse libertá-los para mostrar a luz e tirá-los deste jogo de aparências em que estavam tão bem estabelecidos desde a infância.

            Esta é para o autor desta resenha a parte mais importante do livro VII. A alegoria em si com certeza por explorar a questão solar, mas mais importante que isso é Platão tratar a vida de Sócrates ou do filósofo desta maneira. Como o homem que viu a luz diretamente e retornou para os seus iguais, mas tendo os outros sidos educados desde sempre às sombras, não queriam se desfazer de tantos anos de ilusão, de uma falsa realidade, de um prestígio que não passa de sombras dos objetos reais. Platão aqui discorre sobre a elevação da alma ao mundo superior inteligível, isto é, o Bem, o pai da luz.

            Desta forma, ficam mais clara as dificuldades que os filósofos enfrentam na cidade, pois são poucos realmente os que chegam até a última fase da educação, a de ser filósofo. E a este cabe o papel de educar na cidade ideal que se está construindo, pois é o que conhece a essência das coisas, como vimos no livro VI, e sabe os métodos da boa administração da cidade. Em resumo, cabe a todo filósofo retornar à caverna.

            Posteriormente, Sócrates toma o longo tema do processo pelo qual seriam formados os filósofos, que além da música e da ginástica, teriam de saber a ciência dos números e do cálculo, uma vez que tal ciência é útil na guerra. Porém, a matemática e a inteligência indaga também sobre a grandeza e pequeneza das coisas, se tornando não só algo útil à guerra, mas ao alcançar da essência. Assim como na geometria, que é uma ciência que lida com o que existe sempre, não com o que gera e se destrói. E também para com a astronomia que tem como campo a agricultura, a navegação, mas também ajuda a alma a acostumar-se com a contemplação do que é verdadeiro.[2]

            Como no livro VI, Sócrates diz que o que é o Sol para o mundo visível, ou seja das sensações, é o Bem para o mundo inteligível e que somente com a dialética podia-se alcançar o conhecimento da essência das coisas. Enquanto as outras artes só se apóiam em opiniões, o método da dialética destrói toas as hipóteses e torna seguro seus resultados, já que apenas este método alcança o princípio autêntico da realidade, o Bem.

            No entanto, para tal tarefa de alcançar o Bem, é preciso possuir certas disposições naturais discutidas em outros livros. Além do mais, é também preciso desenvolver outras qualidades intelectuais, morais, atléticas e virtuosas; ter facilidade no aprendizado, boa memória, abominar a mentira e destacar-se em sua grandeza.

            Por fim, Sócrates divide as etapas de ensino do filósofo em: Inicial, que corresponde da infância aos vinte anos; A segunda, que corresponde dos 20 aos trinta anos; A terceira, que corresponde dos trinta aos cinqüenta; E a última, que é quando depois de terem contemplado o bem em si, podem servir-se dele como modelo e impor ordem à cidade para então poderem se retirar tranqüilos para as ilhas do Bem-Aventurados[3], podendo serem reconhecidos como quase Deuses por seus concidadãos.


[1] Que é o que o Sócrates é vítima dos seus próprios interlocutores.

[2] Não é a única vez que Sócrates cita os pitagóricos nas obras de Platão. Aqui diz que se juntasse a harmonia aos feitos do olhos, traduzem-se tudo o que estudam os números, medidas, proporções, isto é, relações inteligíveis.

[3] Ilha mitológica de delícias no além para aqueles que praticassem o bem em vida.

Resumo – “República” de Platão – Livro V

         Aristotle

            O livro V começa com Sócrates reconhecendo a questão do fim do livro IV como supérflua, isto é, que não vale a pena viver quando se tem corrompida a parte da alma que busca a justiça e a virtude. Assim, a discussão se foca sobre as diferentes cinco formas de governo, que correspondem a cinco tipos da alma humana também.

         No entanto, Polemarco cochicha para Adimanto se iriam deixar Sócrates desviar-se do assunto sobre a comunhão das mulheres, ao casamento e à procriação, que, o que é muito importante, Sócrates julga de menor importância, mas não seus interlocutores. Isto, pois o filósofo julgava se tratar de assuntos muito polêmicos, mas depois de muita insistência, cedeu com cautela para não se expor ao ridículo.

            Ao discorrer sobre as mulheres, Sócrates as compara a cães de guarda, pois elas também deveriam ser vigilantes, mesmo sendo mais fracas que os homens. Ora, aqui é a primeira fonte de embaraço, pois se a mulher deve proteger como o guardião, esta deve ter a mesma educação que ele. Ou seja, ela será educada tanto na música, ginástica quanto na arte da guerra. E treinará a ginástica nua assim como os homens, o que causa uma comoção entre os interlocutores.

            A questão retorna à justiça dada no livro anterior no ponto em que todos devem se limitar aonde lhes competem as coisas, assim como no exemplo dos metais e no exemplo deste livro de à mulher compete dar à a luz e ao homem, procriar, isto é, no exercício de profissões, deve-se levar em conta os dotes naturais, no caso de tecelagem e culinária para as mulheres.

           [Entretanto] não há um modo de vida ou atividade dos administradores de um Estado que diga respeito a uma mulher porque ela é uma mulher ou a um homem porque ele é um homem,  mas sim as várias capacidades naturais estão distribuídas da mesma forma entre esses dois seres vivos. As mulheres partilham, por natureza, de todos os modos de vida tal como os homens, porém, em todos, as mulheres são mais fracas do que os homens[1].

 

            Ou seja, apesar de existir mulheres de bronze, de prata e de ouro, ela não poderia governar por ser mais fraca que o homem. E esta é a parte mais importante para o autor da resenha, pois aqui Trasímaco ficaria feliz de não ter ido embora da discussão, pois a justiça do mais forte é consolidada no gênero masculino da humanidade.

            Logo, discorrendo sobre se todas as mulheres e os filhos deveriam ser comuns[2] a todos os homens, Glauco assume o papel de Trasímaco e pergunta a utilidade e, ainda, a possibilidade deste distanciamento da realidade para o ideal visado até aqui. Mas Sócrates logo rebate que para obter grandes feitos é preciso antes imaginar tudo como já as tivesse e depois ver se se alcançará ou não.

            Sobre o casamento, como no caso dos animais, se deveria empregar o cruzamento dos melhores homens com as melhores mulheres o maior número de vezes, enquanto que com os piores, o menor. Além de homens e mulheres só poderem procriar em certa idade da vida em que estão no seu melhor. Porém, tudo deveria ser zelado de perto pelos governantes para que a cidade não ficasse nem muito populosa, nem pouco, contando com guerras e pestes.[3]

            Posteriormente, consideram qual seria o maior  mal e o maior bem para a cidade. Logo chegam à união, como maior bem e à desunião como mal, indo de acordo com a moderação e a harmonia, que fazem a cidade ser boa. Desta maneira, para a cidade ser  mais unida é preciso que ela esteja de acordo no sentido das expressões “meu” e “não é meu”. A cidade deve ser feliz em conjunto e sofrer em conjunto, pois não se deve numa cidade justa se compartilhar apenas os bens, mas os sentimentos. E à alma justa apenas o corpo individual lhe pertenceria, levando assim todos à perfeita paz e à felicidade.

            Sobre os guardiões, as crianças deveriam ser levadas ao campo de batalha para aprender e observar desde cedo. E um código de honra deveria ser posto em uso para não escravizar um outro grego de outra cidade, nem tomar suas armas e suas casas. Porém, “tudo isso seria realizável?”, se perguntam os interlocutores de Sócrates.

            E Sócrates diz que não é esta a questão, mas sim que ao construírem uma cidade perfeita, ainda que não fosse realizável, se poderia observar os defeitos das já existentes e tomar as devidas precauções e modificações. Todavia, para o filósofo, bastaria apenas uma mudança para que tudo se realizasse, que é a grande perspicácia de Platão.

            Os filósofos devem ter o poder nas cidades. Na impossibilidade de tornar os governantes filósofos, o caminho alternativo é tornar os amigos do saber em governantes, caso contrário, a cidade justa que tanto se discutiu sobre nunca existirá. Para efeito de esclarecimento sobre a visão que a maioria tem sobre esses buscadores da verdade[4], Sócrates define o filósofo como aquele que capta a essência do conhecimento das coisas, enquanto há outros que apenas aparentam ser filósofos, mas tem uma mera opinião das coisas (como os sofistas) e há outros que nada sabem, que conhecem apenas a ignorância.

            A ciência fala sobre as coisas que são, enquanto que o objeto da opinião é o que parece ser, mas também não é o nada da ignorância, isto é, o não-ser. Então o que é a opinião, este meio termo entre o ser e o não-ser? A opinião é aquela que vê as coisas belas, as coisas justas e boas, mas é incapaz de ver sua essência. Assim, não é o verdadeiro conhecimento da realidade, mas uma opinião ou impressão sobre ela. Um philodóxos não é um philósophosque conhece a essência das coisas e pode administrar melhor a cidade como ninguém.


[1] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 228

[2] Para tirar a chance de incesto, as crianças que nascessem depois décimo e no sétimo mês depois do casamento seriam chamadas de filhos daquele casal.

[3] Interessante aqui o fato dos melhores darem filhos aos melhores, mas ignorar o fato de que um homem ouro não ter sempre um filho ouro, mas prata e bronze também. Então, ou este “melhor” diz respeito à outra coisa que à filosofia ou há uma contradição.

[4] Pois, a maioria tem a opinião que filósofo não seja tudo o que diga e que corrompa os outros para falar no mínimo. Isto claro foi o que aconteceu com Sócrates ao ser acusado na apologia, onde foi totalmente mal entendido. No entanto, pelo bem da cidade, aceitou sua decisão, o que não aconteceria se filósofos governassem Atenas. Mas isso será melhor visto no livro VI.

Resumo – “República” de Platão – Livro IV

O livro IV começa do último tema do livro III, isto é, ainda falando dos guardiões e da sua condição de pobreza. Adimanto questiona se não estaria assim condenando os guardiões à infelicidade. Sócrates responde positivamente e acrescentando que se faz isso não só pelos próprios guardiões, mas pelo bem de toda a cidade, pois o poder de administrá-la está em suas mãos, além da própria felicidade dela.

A partir daí, Sócrates começa a demonstrar os efeitos de como as diferenças econômicas constituem dificuldades para a harmonia da cidade e sua defesa. Sua analogia é comparável ao do homem quando se dedica ou muito à música, isto é, à alma ou quando se dedica muito à ginástica, i. é., ao corpo no livro III. Ou seja, ele aponta como a riqueza é também a origem da preguiça e do luxo, enquanto a pobreza, à rudeza e um modo desleixado de trabalhar. Desta maneira, a cidade deve se organizar como um corpo só, não podendo se dar ao luxo de disputas internas para o seu próprio enfraquecimento. Cada parte é crucial na cidade, portanto deve-se também dar importância ao todo da cidade, já que ela não pode ser muito pequena ao ponto de não ser auto-suficiente e não pode ser muito grande ao ponto de não ser unida.

Decorre daí que as pessoas tenham educação a ser cidadãos desde crianças e tenham o que lhes sejam devidas, como Sócrates diz no final do livro III  por meio da metáfora dos metais. Pois, não buscando o que não lhes é devido, os estamentos não se confundem com pessoas fora de lugar, por exemplo, um bom músico como guardião. Então, a cidade tem cada uma das suas partes com os homens com o tipo de alma correlata, se tornando mais organizada e auto-eficiente, isto é, feliz.

Aqui Sócrates dá por encerrada a discussão sobre a fundação da cidade, dando para seus interlocutores a vez para diferenciar a justiça da injustiça e saber qual delas é necessária para ser feliz, uma vez que se tem por unânime que Apolo já dera as leis referentes ao culto das divindades e dos mortos[1] Desta maneira bem fundada, a cidade só poderá ser sábia, corajosa, moderada e justa. Porém, há de se averiguar ainda o que são cada uma dessas qualidades da cidade.

A sabedoria é fazer boas escolhas. No entanto, há diferentes áreas de escolhas, a saber, a de determinado campo de conhecimento e a do conjunto da cidade, o todo. Este último equivale aos guardiões e aos seus chefes. Por estes serem tão poucos na cidade e terem tão crucial saber para eles, depende de poucos a felicidade de muitos, ou melhor, da cidade inteira, sendo este o único saber que merece o nome de sabedoria, já que corresponde ao todo.

Já a cidade corajosa é aquela que mantém com firmeza a correta opinião sobre as coisas a temer, isto é, as coisas que lhe foram ensinadas na sua educação, que fixaram-se mais fortemente por ter ocorrido na juventude.

Quanto à moderação, Sócrates diz, se assemelha a uma harmonia, porque ela é uma espécie de domínio que se estabelece sobre os prazeres e desejos, fazendo com que a pessoa se coloque acima de si. Platão já havia dito algo semelhante nos livros anteriores, sobre como a música pode acalmar os ânimos, os desejos sexuais, o Eros. No entanto, aqui há uma diferença, esta harmonia entre os elementos, aqui se expressam como um misterioso eu superior e eu inferior.

Sócrates diz “o objetivo dessas expressões é tentar indicar que na alma dessa mesma pessoa há uma parte melhor e uma pior, e que toda vez que a parte naturalmente melhor está no controle da pior isto é expresso declarando-se que a pessoa é auto-controlada ou tem domínio de si mesmo. De qualquer modo, a expressão domínio de si mesmo ou autocontrole é um termo de louvor. Mas, quando,  ao contrário, a parte melhor (que é menor) é dominada pela pior (que é a maior), devido a uma má criação ou más companhias, isto é designado como descontrole ou licenciosidade e constitui uma censura”[2].

Desta forma, diferentemente das outras qualidades, a sabedoria e a coragem, que podiam pertencer a um certo grupo da cidade, a harmonia tem de pertencer a todos, isto é, a própria moderação.

Por fim, a discussão toma o tema da justiça novamente. E Sócrates parece apenas retomar algo que já havia dito no livro anterior e mesmo neste, o IV. Cada um ocupar-se com o que lhe foi destinado pela natureza, eis a justiça. Ou seja, também daí vem que ninguém se aproprie dos bens alheios e seja privado dos próprios. Entretanto, isso diz respeito à cidade, veremos nesta próxima parte como o que foi dito até então se comporta na alma.

Segundo Sócrates, na nossa alma encontramos impulsos, sentimentos e outras atividades. Cada parte da alma deve produzir efeitos coerentes, sendo que já que temos muitos efeitos devemos possuir diferentes partes para tais atividades. Sócrates distingue uma parte que impele a alma a fazer algo e outra que impede, ou seja, uma que raciocina e outra que deseja, o apetitivo irracional. No entanto, são três as partes da cidade, a dos negócios, a da defesa e a do governo.

Desta maneira, deve haver três tipos também, a saber, a parte racional, a cólera, ira ou animosidade que é o auxiliar do elemento racional[3], e por fim o apetitivo. Como na cidade, deve haver harmonia entre as partes e elas existem nas duas em proporções iguais. Além do mais, os motivos para fazer a cidade sábia, corajosa e justa devem ser os mesmos para a alma do homem.

Assim, Sócrates diz que as virtudes podem nos manter saudáveis, por meio do caráter inabalável da coragem, do comando da sabedoria, da harmonia da moderação e da disciplina da justiça em se manter na tarefa a qual lhe é devida. Sendo assim, a doença só poderia ser o vício, isto é, a enfermidade, a feiúra e a fraqueza da alma. Em uma palavra, injustiça.

No entanto, falta-nos observar se vale a pena praticar a justiça independentemente de ser visto ou se é melhor ser injusto quando não se tem de pagar. Porém, Glauco já adverte.

Mas, Sócrates, tal investigação me parece absurda agora que se mostrou serem a justiça e a injustiça como as havíamos descrito. Mesmo que alguém possua todo tipo de comida e bebida, muitíssimo dinheiro e toda espécie de poder para exercer domínio, não vale a pena viver quando a constituição do corpo está arruinada. Assim, mesmo que alguém possa fazer o que bem lhe aprouver, exceto aquilo que o libertará do vício e da injustiça e o leve a ter acesso à injustiça e à virtude, de que vale a vida se sua alma – aquilo por meio do que ele vive – está arruinada e tumultuada?[4]

 

Bibliografia:

PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006.

MIRANDA, Mário. Crenças: Filosofia e religião na leitura da República. 2011.

STRAUSS, Leo. Jerusalém e Atenas.


[1] Em uma dentre tantas ocasiões, Sócrates mostra quão infundada está a acusação feita a ele de ateu.

[2] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 195

[3] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 209

[4] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 216

Resumo – “República” de Platão – Livro III

Paulo Abe

 

O livro III continua do desenvolvimento final do livro II, os guardiões e sua educação. Todo ele se limitará a especificar como será essa educação em suas temáticas, censurando os antigos poetas. Sócrates inicia o livro pelo Hades, solicitando para que este não seja depreciado e nem que se tenha medo, pois os guerreiros devem ser corajosos perante a morte. Desta maneira, conclui que todas as passagens de Homero e outros poetas que tenham tais conotações sejam eliminadas, censuradas, pois não engrandecem a virtude, que o guardião tem de possuir.

O mesmo se repete nas passagens que falam sobre o riso descontrolado, a mentira, a exacerbação do Eros, o luxo, o suborno e outros vícios. Ou seja, Platão procura a matéria perfeita da poesia, das fábulas e mitos a custo da história. Os deuses e heróis devem se comportar no agir virtuosamente para que “não produzam na juventude uma forte predisposição para os atos maus”[1], pois “ o que os poetas bem como os prosadores nos contam a respeito dos seres humanos  é  ruim. Dizem eles que muitos indivíduos injustos são felizes e muitos justos são infelizes, que a injustiça é  vantajosa se não for descoberta e que a justiça é  o beneficio alheio, mas também o prejuízo próprio”[2]. Aqui se encerra essa primeira parte quanto à matéria, sendo o próximo tema sobre a forma da poesia agora.

Há diferentes tipos de relatos poéticos. Existe a maneira direta, onde o narrador não se confunde com o personagem; a maneira representativa, onde o narrador produz suas narrativas por meio da imitação, ou seja, “quando ele compõe um discurso como se ele fosse outra pessoa (…) diríamos que está tornando seu próprio estilo o mais semelhante possível daquele da pessoa a quem concede a palavra”[3]; e a terceira maneira é quando se imita certas coisas e não outras.

A imitação forma “hábitos no que tange aos gestos corporais, a voz e o pensamento”[4]. Então, quando se apresentar na narração um personagem que seja um escravo ou uma mulher; alguém apaixonado, colérico, tomado por dores ou agindo de maneira malévola; artesãos das artes inferiores, loucos, animais ou a própria natureza, o guardião não imitará. Pois, este guerreiro deve ser um homem moderado e deve se identificar com o caráter digno, tendo em sua educação uma poesia majoritariamente sem imitação, mas com uma pequena quantidade de imitação apenas dos homens virtuosos. Assim, se admite apenas “o imitador puro do homem bom”[5][6].

Na poesia, Platão também esmiúça o tema com Glauco, que é músico, dividindo a poesia em odes e canções e colocando a música em três elementos: letra, harmonia e ritmo. A partir de então, a poesia será vista sob este novo aspecto. A censura começa novamente com os cantos fúnebres e lamentosos[7]. Logo depois, tudo o que incentiva a embriaguez, a indolência ou efeminação[8] e a ociosidade[9] é descartado para o guerreiro. O que sobra são as duas modalidades: para a violência, resistência, autocontrole e coragem; e para a paz e persuasão[10].

Após a decisão das modalidades, Platão discorre sobre os ritmos e letras que alguém de coragem e moderação deveria ouvir. Até “o prazer mais intenso e mais ardente”[11], o sexual se torna moderado e harmonioso com a educação através da música. No entanto, Platão ressalva que o amor deve ser direcionado apenas para o que é nobre e belo, acabando aqui a primeira parte do livro sobre a poesia. Agora a discussão avança para a educação física.

“Uma boa alma, devido a sua própria excelência, torna bom o corpo o quanto isso seja possível”[12]. Por isso, o guardião deve se focar na atlética e na dietética. Ou seja, evitar embriaguez e o luxo, enquanto devem se focar na disciplina, no regime alimentar e num treinamento rigoroso. Desta maneira, todos esses cuidados, essa moderação evitam a doença e a necessidade

Aqui é onde, na opinião do autor desta resenha, se encontra a parte mais importante do livro III. Platão compara os médicos aos juizes. Enquanto o bom médico deve provar de todas as doenças no corpo e curar os corpos com sua alma, o juiz deve reger outras almas com sua alma, no entanto deve permanecer íntegro e puro. Ou seja, não devem conhecer o vício e o mau. “Um bom juiz não deve ser uma pessoa jovem, mas velha, na vida um tardio conhecedor da justiça e alguém que haja se cientificado dela não como algo interno em sua própria alma, mas como algo estranho e presente nos outros – alguém que, após muito tempo, reconheceu que a injustiça é naturalmente má não por a ter experimentado pessoalmente, mas através do conhecimento”[13].

Entretanto, se a educação discutida até então for feita, os jovens terão a prática da justiça no dia a dia, o que torna desnecessária a existência do juiz ou a justiça dos tribunais. Assim, finalmente se retorna ao tema da justiça do Livro II, depois de se ter chegado à sua origem, a educação.

                Após isso, o tema sobre quem devem ser os governantes é abordado. Os mais velhos, os melhores (na guarda do Estado), os mais inteligentes e que melhor cuidem dos interesses do Estado, pelo que lhe é vantajoso são as primeiras definições destes governantes. A partir de então, Sócrates propõe testes de persuasão na educação do guardião e uma observação constante em seu desenvolvimento.

                Por fim, Sócrates fala sobre o conto fenício e nele finaliza o livro nos três estamentos da sociedade nova que procura. Um pouco de ouro para aqueles que irão governar; prata para os auxiliares; e ferro e bronze aos agricultores e outros trabalhadores. Contudo, quanto às gerações seguintes, contatando-se com a misturo de metais, as pessoas devem ter o que lhes é devido. Ou seja, se um ouro tem um filho bronze, tal será seu destino. No entanto, um guardião nunca será bronze ou prata, mas ouro. E por ter ouro na alma, o guardião nunca poderá ter ouro em forma corpórea, sendo este sempre pobre.


[1] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 139

[2] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 140

[3] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 141

[4] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 144

[5] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 147

[6] Fato interessante é que o próprio Platão nos seus diálogos imita a todos, como um pensamento que vai se desenvolvendo.

[7] Mixolídio  e o síntono-lídio.

[8] As jônicas e as lídias são boas para banquetes, mas não para guerreiros.

[9] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 150

[10] Isto é, a modalidade dória e frigia respectivamente.

[11] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 156

[12] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 157

[13] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 165


[1] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 139

[2] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 140

[3] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 141

[4] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 144

[5] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 147

[6] Fato interessante é que o próprio Platão nos seus diálogos imita a todos, como um pensamento que vai se desenvolvendo.

[7] Mixolídio  e o síntono-lídio.

[8] As jônicas e as lídias são boas para banquetes, mas não para guerreiros.

[9] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 150

[10] Isto é, a modalidade dória e frigia respectivamente.

[11] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 156

[12] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 157

[13] PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006. p. 165

Resumo – “República” de Platão – Livro I e II

Livro I

O tema deste livro, República, é evidente desde o seu início: encontrar uma definição da justiça. No livro I, Sócrates voltando de suas preces à deusa Bendis de um novo culto trácio em Atenas, como lhe é típico, se utiliza de seu método investigativo para conduzir discussões, partindo da definição de seus interlocutores que encontra, a princípio aqui da opinião comum apresentadas por Céfalo e seu filho Polemarco.

Céfalo discorre sobre a velhice com Sócrates que já também era bastante velho. Ele fala sobre os limites da idade avançada, isto é, a pacificação das paixões, moderação dos sentimentos, o usar dos bens materiais sensatamente e, principalmente, o termo da morte próxima e o despertar de um reexame da vida. Ademais, Glauco, por ser estrangeiro, acredita, contrariamente à religião tradicional de Atenas, que nossa alma imortal será punida ou recompensada no Hades. Aquele que cometeu mais injustiças é mais atormentado pelo além, enquanto que aquele que só faz o justo, não. Como disse o poeta Píndaro, para quem viveu segundo a justiça, a velhice é como uma bondosa ama, que alimenta de esperança o coração dos velhos. Acabando por dar a primeira definição de justiça da República, dizer a verdade e não enganar ninguém, o que foi visto como restituir o que se tomou dos outros.

No entanto, Sócrates já posiciona um exemplo certeiro em seu contra-argumento, ninguém diz que seria justo restituir a um amigo enlouquecido as armas que tivesse recebido dele enquanto ainda estava em perfeito juízo. Polemarco recorre a outro poeta para defender a mesma tese sobre a justiça, Simonides[1]. Porém, o mesmo exemplo ainda é válido para este argumento, com um pequeno detalhe a mais. Sócrates expande a situação hipotética em, ao não restituir as armas ao amigo enlouquecido, supõe-se que se faça o bem, pois amigos fazem o bem para amigos, sendo o mal feito aos inimigos. Entretanto, se fosse apenas isso, ou seja, dependesse de uma visão particular, por muitas vezes se poderia estar equivocado, fazendo bem ao inimigo e mal ao amigo. Daqui, por enquanto, a única coisa que se pode tirar com certeza é que a justiça faz os homens bons e o homem bom não pratica o mal, nem sequer ao seu inimigo

Fato importante a se colocar aqui é a importância até então dos poetas, que criaram o modo de vida grego. Nas opiniões do “senso comum”, são utilizadas citações de dois poetas, Píndaro e Simonides como uma forma de autoridades incontestáveis. Entretanto, claramente com a introdução da filosofia no modo de vida grego, assim como a do sofisma, vemos um abandono do modelo poético para explicação dos fenômenos naturais ou, ainda, dos costumes. Este novo decair da presente ordem do universo mostra-se claro em As Nuvens, onde Zeus morre.[2]

Então, entra Trasímaco, o sofista, e afirma que a justiça não é mais do que o interesse do mais forte, pois em toda cidade são os fortes que governam e fazem as leis. Aqui Platão mostra o sofista como alguém interesseiro em dinheiro, em aprovação pública, glória e estima, mas que tem sido ouvido pela nata da juventude que se encontra perdida em meio a crise de crenças em Atenas. Sócrates entretanto concorda com Trasímaco de que a justiça seja uma conveniência, porém discorda que seja do mais forte. Até nesta situação o mais forte, ou seja, o governante pode se enganar quanto ao que pensa ser melhor para si e, além do mais, o governante sempre governa para seus subordinados e nunca para si, pois ele é como a medicina e a náutica, existem para os mais fracos. Mas Trasímaco não desiste e, por meio de vários exemplos, conclui que a justiça só é boa para o forte e o poderoso, tornando um prejuízo para quem a obedece e muito útil e vantajosa para quem a desobedece.

Adiante, Sócrates inverte o raciocínio em que: o justo seja bom e sábio e o injusto, ignorante e mau. Advindo daí que aquele que exerce o que cabe à sua alma, sua virtude de manter a vida, viverá bem e aquele que vive bem nada mais é que feliz, sendo o injusto, infeliz. Cabe aqui também a preocupação de Céfalo pelo além e o juízo do mundo inferior. Uma vida justa e feliz, só poderia acalmar a alma para o além e ter a recompensa que só ele acredita receber.

Bibliografia:

PLATÃO, A República (Da Justiça). Edipro. São Paulo. 2006.

MIRANDA, Mário. Crenças: Filosofia e religião na leitura da República. 2011.

STRAUSS, Leo. Jerusalém e Atenas.

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As relações entre fé e razão

Introdução

Os textos que se seguem foram instigados por questões passadas na disciplina de Introdução ao pensamento teológico  do curso de Filosofia da PUC-SP. O tom do texto, às vezes, pode parecer ofensivo, mas foi necessário um tom mais duro para desfazer alguns erros que teólogos (muitos, mas não todos, obviamente) deixam passar sem problematizá-los devidamente e que a filosofia acaba por, consequentemente, tratando de forma radical e rigorosa.

Preferi manter os textos em sua forma apresentada ao professor, com as perguntas e as respectivas respostas, sem nenhuma alteração. Espero que esses pequenos textos possam ajudar o leitor no tratamento mais rigoroso dos temas abordados e que possa servir de auxílio para aqueles que sempre se fizeram as mesmas perguntas, mas sempre ficaram aporéticos.

Boa leitura.

Fé e razão: por que esses dois elementos são capazes de combinar-se e de colidir-se com tanta frequência? (resposta também válida para a pergunta: É possível conciliar fé e razão?)

R: A pergunta possui um erro genético, pelo que me parece, ao pressupor a possibilidade tanto da combinação entre fé e razão quanto da colisão entre esses dois conceitos.

Primeiramente devemos nos perguntar se esses dois conceitos são capazes de combinar-se, levando em conta que a fé aqui empregada é a fé religiosa, senão deveríamos explicitar os diversos sentidos de crença, ou melhor, distinguir tipos de crenças da fé propriamente dita, o que, seguramente não farei.

Pois bem, aceitamos que, se a razão parte de um princípio, em última instância, lógico das proposições empregadas (os pressupostos devem ser apoditicamente demonstrados, respeitando o princípio de identidade e não-contradição) e a evidência deve ser, no mínimo analítica (digo no mínimo pois, se faltam evidências sintéticas, as únicas possíveis têm que ser analíticas), não há espaço para a fé. Na concepção clássica grega, conhecimento racional (episteme) e crença (pistis) são ordens diferentes de discurso, sendo que o primeiro, poderíamos dizer, diz respeito às verdades demonstradas e o segundo à fé (ou seja, a evidência da demonstração não é feita nunca, arrisco a dizer). Por exemplo, Parmênides, Platão e também Aristóteles, separam conhecimento científico (consequentemente racional) tanto da pistis (crença) quanto da doxa (opinião). Ora, o que podemos inferir disso, senão a conclusão de que a fé e a razão não podem combinar-se? Claro que podemos partir da fé para o conhecimento racional do objeto da fé (como faz Agostinho, por exemplo, com a máxima de Isaías “se não crerdes não compreendereis”)1 mas isso não é prova de combinação entre razão e fé, e sim da subordinação da razão à fé, e isso com respeito ao conhecimento de coisas como a alma ou Deus. Kant, com sua publicação da Critica da razão pura, demonstra explicitamente que a razão pura não consegue atingir os objetos que ela (a razão) pretende na metafísica, sem cair nas famosas antinomias e que o conhecimento científico é conhecimento simplesmente do fenômeno e das leis necessárias que regem suas relações. A famosa frase kantiana “tive que limitar o conhecimento para abrir espaço para a fé” demonstra que são domínios diferentes, irredutíveis e incombináveis. No primeiro o “aparato cognitivo do sujeito”, com suas formas puras da intuição consegue fazer a síntese entre tempo e espaço com os conceitos a priori (categorias) e assim fundamentar a ciência do fenômeno. Com essa argumentação, Kant separa o domínio do conhecimento do domínio do puramente pensável. Os objetos da fé são apenas pensáveis, não podemos conhece-los através da razão pura, pois não são fenômenos e sim coisas em si. Desse modo a fé opera como sentimento, como revelação, mas nunca como razão, afinal, se a fé dependesse de demonstração racional, não haveria porque ser fé, e saber que algo existe é diferente de crer que algo existe. Saber é demonstrar, crer é um ato de confiança, de sentimento. Temos muitos exemplos na história da filosofia na tentativa de conciliação entre fé e razão, porém, seria proveitoso ver como isso se dá na história na mesma medida em que seria impossível fazê-lo aqui, mas tenho a convicção (claro que sempre provisória) de que essas duas instâncias podem ser submetidas uma à outra, mas não combinadas, conciliadas.

Com essa minha exposição, acabei por exclusão, demonstrando então que fé e razão colidem-se sempre e isso é inevitável, pois a razão sempre exigirá demonstração, seja empírica, seja lógica (se for suficientemente consequente), e a fé possui a virtude de não exigir tal demonstração, senão acaba perdendo seu estatuto de fé. Essas duas instancias pretendem dizer coisas diferentes sobre o mundo e as coisas, e cada uma, a seu modo possuem defeitos e virtudes, contudo, qualquer um que se deixe pensar consequentemente pode aceitar as demonstrações da razão, mas apenas alguns aceitarão as proposições da fé. Carl Sagan definiu certa vez que a fé nada mais é do que a crença na falta de evidências, e isso a define suficientemente bem para afirmar o que entendo também por fé.

A existência de Deus pode ser definida filosoficamente?

R: A existência de Deus pode ser argumentada filosoficamente, porém, ser definida já é um problema que dificilmente poderá ter uma resposta positiva. Há quase 3000 anos que a questão da existência de Deus é suscitada sem previsões de acabar (claro que por parte dos filósofos ateus essa questão é um falso problema). Desde a Grécia clássica essa questão foi colocada aos filósofos, mas nunca como um problema realmente sério. Platão, Aristóteles, os estóicos, os sofistas, Sócrates e muitos outros nunca duvidaram da existência dos deuses2, porém, Protágoras, o grande sofista, afirmava que qualquer suposição acerca dos deuses era errada, alegando que seu conhecimento era impossível. “Quanto aos deuses, sou incapaz de descobrir se existem ou não, ou que forma têm; pois há muitos empecilhos para o conhecimento, a obscuridade do assunto e a brevidade da vida humana”.3 Agostinho e Tomás de Aquino argumentaram sobre a existência de Deus, porém as teses mais difundidas são a de Anselmo e a do moderno design inteligente. Não podemos afirmar que Aristóteles prova a existência de Deus pois sua teoria do primeiro motor imóvel ou da causa primeira pode ser interpretada de diferentes formas, sem com isso, afirmar necessariamente que esse motor ou causa primeira é Deus.4

Mas, como a pergunta reza o seguinte: “se a existência de Deus pode ser definida filosoficamente?” Irei apenas focar no argumento sobre se a existência é um predicado que pode ser definido.

A ideia de que Deus é um ser necessário sustenta essa hipótese, e atribuímos esse argumento, primeiramente a Anselmo (1033-1109), conhecido como o pai do escolasticismo medieval. Anselmo sugeriu que devemos compreender Deus como “aquele a partir do qual nada maior se pode conceber”. Deus é perfeito em todos os sentidos, nada lhe falta. Anselmo foi além e disse que isso é verdadeiro por definição. É um contra-senso imaginar Deus com alguma imperfeição, assim como é um contra-senso imaginar um quadrado redondo, ou um triângulo com cinco lados. Ora, se um ser é perfeito por definição, logo, ele deve existir, pois não existir seria uma imperfeição (seria menos perfeito do que os seres que existem), coisa impensável de um ser absolutamente perfeito. “Por essa razão é impossível que Deus não exista e é isso que se entende por um ‘ser necessário’”.5Com outras palavras, necessário é aquilo que não pode deixar de existir. Eis, em linhas gerais, o que se conhece como argumento ontológico. Parece ser um truque retórico mas esse argumento realmente persuadiu as grandes mentes da filosofia moderna, como Descartes ou Leibniz, e até mesmo Newton, que sustentam a validade de tal argumento. Contudo, já na época de Anselmo, um monge chamado Gaunilo encontrou uma grande falha nesse argumento. Gaunilo identificou que se esse argumento pode provar a existência de Deus, prova também a existência de uma ilha perfeita, de um homem perfeito, de um rato perfeito, ou de qualquer coisa que se julgue perfeita. Pensemos pois em uma banana perfeita, com o tamanho perfeito, cheiro perfeito, sabor e textura perfeitas, coloração perfeita, etc… Ora, essa banana têm que necessariamente existir, pois se não existisse, não seria perfeita. Uma sociedade perfeita também, o mesmo raciocínio. Mas existe a sociedade perfeita? Segundo Anselmo deve existir, senão não seria perfeita. Contudo, esse argumento apenas nos mostra como seriam essas coisas perfeitas se existissem, mas não podem afirmar que existem de fato. Acho que já consegui expressar a ideia de Gaunilo aqui, porém, ele evidencia a invalidez do argumento, mas não explica a natureza dessa invalidez.

Incrivelmente, 700 anos passados sem nenhuma oposição radical a esse argumento, apenas com Kant é que a natureza do erro desse argumento é apresentada. Para Kant, a existência não é algo que podemos predicar, e nem definir. A existência tem um sentido muito claro no campo do conhecimento possível. A existência é uma categoria formal, como a causalidade. Podemos apenas aplicar essas categorias às percepções sensíveis. “Mas justamente o aplicarmos às percepções sensíveis a categoria de existência (…) é o ato pelo qual estabelecemos os objetos a conhecer, os fenômenos. Este é o sentido de existência”.6 Ou seja, para afirmar que algo existe, possuir a simples ideia de algo não garante a existência, pois as coisas não existem por definição. É necessário obter a percepção sensível correspondente. Ora, não podemos ter a percepção sensível correspondente de Deus, pois Deus não é um fenômeno, não se apresenta aos meus sentidos. Kant então encontra a natureza do erro do argumento ontológico e impossibilita a existência de Deus como mera definição ideal.

Kant é um filósofo muito complexo, mas divertidíssimo de se ler (quando se compreende aquilo que está sento dito). Sua epistemologia é uma construção fantástica e uma instituição do pensamento humano. Para a compreensão desse argumento, portanto, é necessário que se compreenda o problema da Critica da razão pura, e sua solução. Mas acredito ter exposto o básico para a elucidação do problema da existência de Deus por definição.

Por que o sistema de fé não precisa ser discutido?

Essa questão parece invocar a ilusão de uma resposta simples, mas os problemas inerentes à pergunta são profundos. Primeiramente, a questão pressupõe que o sistema de fé não precisa ser discutido, o que humildemente discordo de maneira radical. Segundo, a questão deveria ser reformulada da seguinte forma: O sistema de fé deve ser discutido ou apenas aceito? Ora, aceitar de antemão um sistema de fé é incriterioso, principalmente se tratando de filosofia, e nenhum filósofo abriu mão de discutir esse assunto.

Então, antes de dar uma resposta definitiva a essa questão, coloquemos a seguinte indagação: As crenças religiosas são verdadeiras? Penso que o cerne da questão realmente atinge esse ponto, e nenhum filósofo foge dessa pergunta, pois buscam a verdade da fé e não apenas a constatação daquilo que as pessoas acreditam ou deixam de acreditar.

Algumas pessoas de fé aceitam que existem boas razões para acreditar que o mundo foi criado por uma divindade toda-poderosa. Outras dizem que a razão é irrelevante, basta apenas considerar declaracões da bíblia e da autoridade religiosa, mesmo que essas declarações não exijam confirmação por argumentos racionais, e são essas pessoas que afirmam que a fé não precisa ser discutida. Se deixarmos a questão por aqui, é possível concluir que algumas pessoas acreditam e outras não, e nada mais há para se dizer. É tentador parar por aqui, mas se quisermos pensar filosoficamente, penso eu, devemos antes de chegar a essa conclusão precoce, avaliar todos os argumentos a favor da existência de Deus, em outras palavras, todas as supostas provas disponíveis. Existirão boas razões para apoiar a crença em Deus? “Não podemos dizer que a crença religiosa é apenas uma questão de fé antes de estarmos certos da impossibilidade de encontrar argumentos racionais”.7Evidentemente não analisarei todos esses argumentos, nesse momento, pois são muitos e a intenção dessa resposta não é essa, mas enumerarei (genericamente, diga-se de passagem) quais são esses argumentos e o leitor poderá analisá-los por si próprio.

Argumento do desígnio: Podemos inferir que Deus existe a partir da natureza do mundo que nos rodeia.

Argumento da negação do acaso: Ou as maravilhas da natureza ocorreram por acaso ou são produtos de um design inteligente. Não podem ter ocorrido por acaso, logo, são produtos de um design inteligente.

Argumento da igualdade de provas: Concluímos corretamente que objetos como relógios foram feitos por criadores inteligentes, pois suas partes funcionam conjuntamente obedecendo a um propósito. Temos as mesmas provas de que o universo foi feito por um criador inteligente, pois suas partem funcionam conjuntamente obedecendo a um propósito, logo, podemos concluir justificadamente que o universo foi feito por um criador inteligente.

Argumento da causa primeira, sustentando que Deus é a primeira causa em uma cadeia causal: Tudo o que existe deve ter uma causa. A cadeia causal não pode recuar indefinidamente e em algum ponto devemos chegar a uma causa primeira. Essa causa primeira podemos chamar de Deus.

Argumento de que Deus deu origem à existência do universo como um todo: Tudo o que existe dentro do universo faz parte de um vasto sistema de causas e efeitos. Mas o universo exige uma explicação – por que razão existe? A única explicação plausível é a de que Deus é a causa do universo. Logo, para explicar a existência do universo, é razoável crer em Deus.

Argumento de que Deus é um ser necessário: O universo é uma coisa dependente. Não pode existir por si. Deus, um ser necessário, é a única coisa que não é dependente. Logo, o universo é sustentado por Deus.

Pois bem, eis os argumento existentes colocados genericamente (pois há muito o que destrinchar neles).

Durante a história da filosofia e da ciência, todos esses argumentos foram fortemente combatidos (não apenas por ateus, mas por pessoas que apenas pensavam consequentemente) e invalidados, desde Epicuro, passando por Protágoras, Gaunilo, Hume, Espinosa, Kant, Darwin, Russell e alguns outros. Ora, demonstrei aqui que durante a história da filosofia a fé foi sim discutida, e fortemente discutida. Contudo, as pessoas (ou a maioria delas) raramente acredita em Deus através de argumentos. Ou aceitam cegamente por estarem inseridas em determinada cultura ou por alguma convicção pessoal, interna. A irrelevância da necessidade de argumentos parece evidente. Porém, não são tão irrelevantes assim. “Os argumentos não são irrelevantes se queremos saber no que é razoável acreditar. Uma crença é razoável apenas se existem provas da sua verdade”.8Todos os argumentos que enumerei, me parecem inválidos, pois apresentam refutações fulminantes e contradições intrínsecas, mas, isso não prova a inexistência de Deus, prova apenas que esses argumentos são inválidos. No futuro podem surgir argumentos melhores que provem a validade da fé, mas, com isso, o propósito da fé se extinguiria, e ela passaria a ser conhecimento demonstrado. Portanto, a fé pode ser entendida como uma questão de convicção interna e não algo que pessoas razoáveis tenham de aceitar. Mas a história nos mostrou que a fé sempre foi discutida, e deve sim ser discutida, para que, em última instância, absurdos em nome da fé não prejudiquem a vida social e o bem estar de todos, como, infelizmente, já acontece.

É possível conciliar ciência e teologia?

Essa é outra pergunta dificílima que desafia tanto cientistas como teólogos, mas cuja resposta, se for analisada honestamente e consequentemente, não é tão complicada como costuma ser apresentada.

De antemão eu darei a minha conclusão, e depois demonstrarei como cheguei a ela.

Afirmo, peremptoriamente, que ciência e teologia9 não podem conciliar-se.

Durante a história da ciência, e principalmente com o advento da ciência moderna (com seus princípios na era da Renascença), as proposições científicas (principalmente da filosofia natural, posteriormente chamada de física) encontraram uma barreira nas posições teológicas (reduzindo aqui apenas à teologia cristã), que em última instância, deveriam estar de acordo com aquilo que estava escrito no livro sagrado, na palavra divina. Esse choque inevitável nos mostrou os maiores crimes cometidos contra o conhecimento humano, os autos-de-fé como as fogueiras, as condenações diversas aos cientistas, (Galileu, Giordano Bruno, Copérnico, Newton, Descartes, e muitos outros) desde a inclusão no índex dos livros proibidos até a pena capital por blasfêmia e heresia (e muitas vezes por bruxaria!). Hoje em dia não é diferente, pensemos apenas nas questões mais cabeludas que envolvem ciência e teologia, como a discussão sobre o aborto, as células-tronco, a eutanásia e os procedimentos anti-concepcionais. Há uma verdadeira guerra lá fora, sem contar o que poderíamos dizer do mundo islâmico.

Contudo, esse choque se dá, pois as duas disciplinas possuem cosmovisões diferentes, irredutíveis. Galileu, o grande filósofo da natureza que fundou a cinemática, a descrição do movimento dos corpos, pensava desse modo. Suas descobertas foram explicitamente de encontro com as proposições dos teólogos de sua época, e, aparentemente, contra o próprio texto sagrado. Contudo, Galileu era cristão, e aceitava também que a palavra de Deus era infalível e a bíblia era realmente a palavra de Deus, verdadeira. Ao mesmo tempo, Galileu era um grande defensor da verdade da ciência, copernicana, e a sua própria. Ora, mas como são possíveis que duas verdades sejam contraditórias? Dado o fato de duas verdades se contradizerem, uma necessariamente é falsa, e sabemos que Galileu ficou do lado da ciência.

Mas e a teologia? Ora, Galileu nos mostra que a contradição é apenas aparente, pois, de maneira alguma essas duas disciplinas estão falando da mesma coisa, ou possuem os mesmos propósitos. “Assentado, portanto, que a Escritura, em muitas passagens, não apenas admite, mas necessita necessariamente de exposições diferentes do significado aparente das palavras, parece-me que, nas discussões naturais [científicas] deveria ser deixada no último lugar”.10O filósofo afirma que é por ignorância dos doutores da igreja, que detendo-se no significado literal das passagens da escritura, encontram contradições entre as proposições científicas e as teológicas, pois tentam “comprometer as passagens da Escritura e obrigá-las de certo modo a dever sustentar como verdadeiras algumas conclusões naturais, das quais, por sua vez, o sentido e as razões demonstrativas e necessárias nos pudessem manifestar o contrário. (…) Por isso, além dos artigos concernentes à salvação e ao estabelecimento da Fé, contra a firmeza dos quais não há perigo nenhum que possa jamais insurgir doutrina válida e eficaz, seria talvez ótimo conselho não lhes acrescentar outros sem necessidade”.11 Esse acréscimo de valor de verdade científica nas escrituras não deve ser feito, pois as escrituras não estão falando disso, afirma Galileu. Portanto, não pode existir contradição entre as escrituras sagradas e as ciências, pois elas não dialogam, não estão falando das mesmas coisas, nem na mesma língua. E termina dizendo que “se os primeiros escritores sagrados tivessem tido o pensamento de persuadir o povo das disposições e movimentos dos corpos celestes, não teriam tratado tão pouco destes, que é como nada em comparação com as infinitas conclusões profundíssimas e admiráveis, que estão contidas em tal ciência12 [astronomia].

Pois bem, se não há contradição entre as duas disciplinas, tampouco há conciliação, tendo em vista o fato de que dizem coisas diferentes acerca do mundo e das coisas. Uma diz sobre a verdade demonstrada nos experimentos físicos, a outra, diz sobre a salvação da alma humana e o estabelecimento da fé em Deus.

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Existe conflito entre livre-arbítrio e liberdade? (também responde a pergunta O que é o livre arbítrio?)

Segundo Boehner e Gilson, a vontade livre (liberum arbitrium), ou melhor dizendo, sua existência, nunca foi um problema para Agostinho. Sua existência é evidente e incontestável. O real problema é o uso que se faz da vontade livre, o seu valor e sua bondade. “Qual a razão de ser da vontade, e como conquista ela a sua perfeição na liberdade?”13

A vontade em si mesma não é boa nem má, pois é através dela que buscamos o bem e o mal, portanto ela é neutra. Vontade que escolhe o mal é má e vontade que escolhe o bem é boa.

Agostinho irá negar que a vontade é um bem perigoso, dado o fato de que é através dela que podemos fazer o mal, pois o nosso destino, determinado por Deus, é a participação na felicidade, “o que pressupõe a presença, em nós, de uma vontade capaz de tomar posse desta felicidade”.14 É a vontade que faz a mediação entre o sumo bem e os bens inferiores.

O sumo bem é Deus e esses bens inferiores, como o conhecimento, é comum a todos, ou seja, todos possuem acesso. A felicidade é um bem próprio e pessoal, e está contido nela a posse do bem supremo e do conhecimento da verdade, mas é “necessário que esta felicidade decorrente do objeto comum a todos se transforme em propriedade pessoal”.15 Ou seja, deve haver a intervenção ativa da vontade, pois se trata da minha felicidade. Cada um só pode ser feliz na própria felicidade, dirá Agostinho.

O pecado consiste na rejeição pela vontade desses bens comuns a todos mas também pessoais, para regozijar-se no seu próprio e egoístico bem. Não busca a felicidade através da posse do sumo bem e da verdade. É através da soberba, da vã curiosidade e do vício que o homem exclui-se a si mesmo da vida que deve ser buscada, através da má vontade livre, “passando a levar uma vida de morte”.16 Ou seja, apenas na vontade livre para o bem é que é possível atingir a felicidade.

Contudo, a vontade livre não consegue atingir sempre o bem, pois o homem é herdeiro da queda do paraíso, da culpa original e do pecado pessoal. A liberdade só é possível se o homem conseguir se desembaraçar dessa culpa e desse pecado oriundos da queda. Segundo Agostinho o homem caiu do paraíso por vontade própria, mas não é por vontade própria que pode se reerguer. “Para poder recuperar a justiça perfeita que possuíra no paraíso, foi preciso que Deus o restituísse ao estado de liberdade com seu auxílio gratuito”.17A vontade livre, ou livre arbítrio, não se perde, mas a capacidade de se fazer o bem depende de Deus. Ou seja, apenas a graça de Deus nos torna realmente livres. Contudo, a liberdade supõe o livre arbítrio, pois a liberdade é o livre arbítrio libertado por Deus. A força para fazer o bem vem de Deus mas através do livre arbítrio que o bem pode ser feito e a felicidade pode ser adquirida. A liberdade é, pois, a vontade livre boa. O conflito só se dá, poderíamos dizer, entre a liberdade e a vontade livre má, egoísta. Em Agostinho não há conflito entre a liberdade e o livre arbítrio, mas um depende do outro, e ambos dependem de Deus, ou seja, não existe a possibilidade de uma vontade livre absoluta.

O que é Ordo Amoris?

Em poucas palavras, Agostinho diferencia, na sua doutrina da ética, dois conceitos fundamentais que nortearão esse aspecto de sua filosofia, a saber, o conceito de uti e frui.

Na vida moral do sujeito, os atos individuais implicam uma tomada de posição frente as coisas. Para Agostinho, utilizamos as coisas ou fruímos as coisas. Fruir significa amar a coisa por ela mesma. Usar é se servir de algo como meio para atingir aquilo que se ama, apenas se o objeto for digno de ser amado, diz Agostinho. A fruição só pode ser de Deus, pois ele é o sumo bem e o único que pode ser amado em si mesmo, por ser Deus e nada estar acima dele.

Como apenas Deus merece a fruição, o amor ilimitado, os outros objetos terão um amor limitado, melhor dizendo, os outros objeto deverão ser limitados ao tipo de amor que eles merecem. “Nossa primeira tarefa moral é, pois, a de ajuizar todas as coisas segundo o seu verdadeiro valor, e de conformar o nosso amor a essa valoração. O resultado de tal procedimento será a instauração da ordem do amor pela prática da virtude, que outra coisa não é senão o amor bem ordenado: ‘Unde mihi videtur, quod definitio brevis et vera virtutis: ordo est amoris‘. O vício, por sua vez, é a inversão desta ordem do amor”.18

Basicamente a ordem do amor é isso, e essa ordem será fundamental para Agostinho fundar sua ética e sua ordem social na Cidade de Deus.

1Ver Gilson, E. Boehner, P. História da filosofia cristã. Vozes: Petrópolis. p.153. Apesar de Agostinho buscar fundar a crença em Deus em uma verdade evidente, racional e consequente, existem duas condições que devem ser cumpridas para atingir o ponto de partida da prova, a boa fé e a fé. A razão vem depois. Agostinho acha esses pressupostos insuficientes para a prova, contudo, parte deles.

2Podemos supor que os gregos Diágoras, Pródico e Crítias sustentavam a crença na inexistência dos Deuses, mas só podemos afirmar isso com ressalvas. Ver W. Guthrie. Os Sofistas. Ed. Paulus, p.219 – 229.

3 Guthrie, W. Os Sofistas. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1995. p.218.

4Ver Vigo, A. G. Aristóteles, una introducción ou Guthrie W. Os filósofos gregos, de Tales a Aristóteles, para ver como era o conceito de theos nos gregos clássicos.

5Rachels, J. Problemas de Filosofia. Gradiva: Lisboa. p.50.

6Morente, M. G. Lições preliminares de filosofia. São Paulo: Mestre jou. p.250.

7Rachels, J. Problemas da filosofia. Gradiva:Lisboa. p. 29.

8Idem. p. 52.

9Não trago para a discussão o que poderia ser a ciência do theos em Aristóteles, e me limito a falar da teologia cristã, apesar de admitir que não limito a teologia à religião cristã, mas infelizmente, parece que essa disciplina foi empobrecida e reduzida apenas a isso.

10Galilei, G. Ciência e fé. São Paulo:Unesp. p. 19.

11Idem. p.21.

12Idem. p. 22.

13 Gilson, E. Boehner, P. História da filosofia cristã. Vozes: Petrópolis. p.191

14Idem. p. 192.

15Id. Ibidem.

16Id. Ibidem.

17Id. Ibidem.

18Idem. p. 194.

Resumo – Platão – As Leis – Livro III

Platão – As leis – Livro III

 

Se vislumbrará  mais claramente a origem das constituições se se observa o progresso dos Estados ao longo do tempo. Mas há demasiadas transformações, no entanto “o ateniense” tentará desvendar a causa dessas transformações e quem sabe até a causa primeira.

O primeiro pressuposto que é dado para o começo do diálogo é o fato crível de o mundo ter sido destruído diversas vezes, como no dilúvio, em que só os pastores isolados dos grandes centros sobreviveram, não herdando a experiência nas artes em geral. Dos costumes urbanos quase nada lembravam, tendo que passar por muito tempo para haver algum progresso, como a metalurgia e o uso de ferramentas. Entretanto, nessas carentes condições as revoluções e guerras também cessaram, devido à solidão, à falta de riqueza, de disputas e a sua estabilidade.

O ateniense propõe, assim, uma tarefa, a de compreender neste estado de coisas uma possível necessidade de leis daquela época e a identificação de seu legislador. A princípio, no pós-dilúvio não havia escrita, e os seres humanos limitavam-se a seguir os costumes, as leis dos ancestrais, tendo, desta forma, uma forma de governo patriarcal. Posteriormente, seu número aumentou fazendo expandir suas fronteiras até os pés das montanhas, construindo assim uma grande habitação comum única. Porém, “à medida que essas instalações maiores foram se desenvolvendo a partir das menores originais, cada uma das instalações menores continuou a reter consigo o membro mais velho como chefe e alguns hábitos peculiares engendrados por seu isolamento mútuo[1]. Estes hábitos se tornariam logo suas leis próprias, sendo este fenômeno a origem da legislação.

Desta forma, quando nestas comunidades se reunirem as pessoas e escolherem seus líderes, se estabeleceria uma aristocracia ou monarquia. Mas logo se deslocariam das regiões altas para grandes planícies e mudariam sua forma de governo para o misto, o democrático. E,enfim, no decorrer de muitas eras um quarto Estado se formaria, uma confederação de três Estados associados. Ou seja, como quando Argos, Messênia e Lacedemônia foram submetidos à Esparta, mas mesmo assim tendo dividindo-se em três partes pela fundação de três Estados que se ajudassem ou que por um Estado quebrar o pacto os outros dois deveriam se juntar contra o traidor. Continuar lendo