Heidegger’s ‘black notebooks’ reveal antisemitism

He is widely regarded as one of Europe‘s most influential 20th century philosophers whose writings inspired some of the important thinkers of the modern era. But almost four decades after Martin Heidegger‘s death, scholars in Germany and France are asking whether the antisemitic tendencies of the author of Being and Time ran deeper than previously thought.

The philosopher’s sympathies for the Nazi regime have been well documented in the past: Heidegger joined the party in 1933 and remained a member until the end of the second world war. But antisemitic ideas were previously thought to have tainted his character rather than touched the core of his philosophy – not least by Jewish thinkers such as Hannah Arendt or Jacques Derrida, who cited their debt to Heidegger.

This week’s publication of the “black notebooks” (a kind of philosophical diary that Heidegger asked to be held back until the end of his complete work), challenges this view. In France the revelations have been debated vigorously since passages were leaked to the media last December, with some Heidegger scholars even trying to stop the notebooks’ publication.

In Germany, one critic has argued that it would be “hard to defend” Heidegger’s thinking after the publication of the notebooks, while another has already called the revelations a “debacle” for modern continental philosophy – even though the complete notebooks were until now embargoed by the publisher.

The most controversial passages of the black notebooks are a series of reflections from the start of the second world war to 1941. While distancing himself from the racial theories pursued by Nazi intellectuals, Heidegger argues that Weltjudentum (“world Judaism”) is one of the main drivers of western modernity, which he viewed critically.

“World Judaism”, Heidegger writes in the notebooks, “is ungraspable everywhere and doesn’t need to get involved in military action while continuing to unfurl its influence, whereas we are left to sacrifice the best blood of the best of our people”.

In another passage, the philosopher writes that the Jewish people, with their “talent for calculation”, were so vehemently opposed to the Nazi’s racial theories because “they themselves have lived according to the race principle for longest”.

The notion of “world Judaism” was propagated in the Protocols of the Elders of Zion, the notorious forgery purporting to reveal a Jewish plan for world domination. Adolf Hitler stated the conspiracy theory as fact in Mein Kampf, and Heidegger too appears to adopt some of its central tropes.

“Heidegger didn’t just pick up these antisemitic ideas, he processed them philosophically – he failed to immunise his thinking from such tendencies,” the notebooks’ editor, Peter Trawny, told the Guardian.

The notebooks also show that for Heidegger, antisemitism overlapped with a strong resentment of American and English culture, all of which he saw as drivers of what he called Machenschaft, variously translated as “machination” or “manipulative domination”.

In one passage, Heidegger argues that like fascism and “world judaism”, Soviet communism and British parliamentarianism should be seen as part of the imperious dehumanising drive of western modernity: “The bourgeois-Christian form of English ‘bolshevism’ is the most dangerous. Without its destruction, the modern era will remain intact.”

In an almost playful dig at English culture, he writes: “What, other than engineering and metaphysically paving the way for socialism, other than commonplace thinking and tastelessness, has England contributed in terms of ‘culture’?”

Trawny, who is also director of the Martin Heidegger Institute, said he was “shocked” when he discovered the antisemitic passages a year and a half ago, but decided to go ahead with their publication in spite of the potential damage they could cause to the philosopher’s legacy. “I still think you can engage with Heidegger constructively,” he said. “These revelations will help that process.”

Other philosophers have argued that the new revelations do not amount to a “smoking gun” of antisemitism, and should not lead to a dismissal of Heidegger’s other writings even if they did. “Philosophy is about learning to be aware of problems in your own thinking where you might not have suspected them,” said the British philosopher Jonathan Rée about the black notebooks.

“The best of what Heidegger wrote – indeed the best of philosophy in general – is not an injunction to agree with a proffered opinion, but a plea to all of us to make our thinking more thoughtful.”

Da Existência – Heidegger e o Vazio Existencial

http://www.mosaicopsicologia.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=69:da-existencia-heidegger-e-o-vazio-existencial&catid=38:textos-livres&Itemid=62

Por: Giovanni Gaeta – Psicólogo

A angústia nos corta a palavra. Pelo fato de o ente em sua totalidade fugir, e assim, justamente, nos acossa o nada, em sua presença, emudece qualquer dicção do “é”. O fato de nós procurarmos muitas vezes, na estranheza da angústia, romper o vazio silêncio com palavras sem nexo é apenas o testemunho da presença do nada. Que a angústia revela o nada é confirmado imediatamente pelo próprio homem quando a angústia se afastou. Na posse da claridade do olhar, a lembrança recente nos leva a dizer: Diante de que e por que nós nos angustiávamos era “propriamente” — nada. Efetivamente: o nada mesmo — enquanto tal — estava aí.

Heidegger – Que é Metafísica?

Em Ser e Tempo, Heidegger situa o ser a partir da perspectiva do tempo. O que isto significa? Para Heidegger, o tempo não é algo externo ao homem, mas faz parte dele. O tempo é a relação entre o agora do homem, a forma como reteve o presente anteriormente e o horizonte de orientação quanto ao futuro. Em Heidegger, a existência está no horizonte do ser e do tempo. O homem é lançado no mundo sem saber por que. Ele desperta para a consciência já imerso nesta condição. Se conscientiza da própria finitude e teme a morte. Condenado à morte, o homem sabe que não poderá realizar todas as suas possibilidades e, além disso, não tem sequer a certeza de que se realizará nesta vida, de que será feliz. Segundo Heidegger, esta consciência gera a angústia diante da morte e da própria vida. A angústia de morte refere-se à consciência do indivíduo sobre seu possível não-ser. É o estado subjetivo da conscientização por parte do sujeito de que sua experiência pode ser destruída, de que ele pode perder o próprio ser e o mundo. Angustiado, o homem percebe que é preciso adiantar-se à própria morte, escolher a si mesmo. A angústia heideggeriana permite que o homem possa resgatar-se do viver cotidiano. Ela está sempre presente, é a condição do ser. Pode ser vivida num distanciamento ou aproximação. Enquanto distante, será vivida como medo. Ao aproximar-se dela, o homem vai ao encontro da sua totalidade.

Heidegger localiza o homem na temporalidade. O Dasein é concebido numa conjugação entre o “ser-sido” (o nada), o “estar em situação” (o cuidado) e o “por-vir”(o nada). É o se saber como ser para a morte. A consciência da morte exige que o homem dimensione-se no tempo. Se a existência é finita, as possibilidades também são. Cabe então elaborar um projeto e definir estratégias para realizá-lo. Há sempre uma inquietação relativa ao tempo, uma tensão constante entre o vir-a-ser e o passado. Se o homem assume essa inquietação, vive a vida autêntica; distancia-se dessa consciência, cai na inautenticidade, vivendo como que levado pelo destino.

Diante dessa exigência, o homem pára para refletir. Investiga o significado da própria existência e descobre que este significado não pode ser encontrado nele próprio, mas na sua relação com o mundo. O homem questiona seu lugar no mundo. O vazio e a falta de sentido da e na vida são aspectos difíceis de serem aceitos e vividos. Entrar em contato com tais aspectos deixa o homem sem saber como agir e desamparado. A angústia gerada neste contato é muitas vezes insuportável e alguns homens preferem fugir desta consciência, preenchendo sua vida com coisas, objetos materiais, sucesso, prestígio, etc. Tal caminho muitas vezes leva o homem à outras formas de sofrimento, pois não reconhecendo-se naquilo que faz, este homem tende a cair no tédio existencial, a dor de ver a existência passar e não estar vivendo todas as possibilidades que lhe são oferecidas pela vida. É a falta de perspectiva de evolução, a noção de se estar vivendo uma vida sem sentido. Ao evitar o vazio existencial, a ruptura com o cotidiano em direção ao autoconhecimento e descobrimento das próprias potencialidades, o homem se impede de encontrar novas trilhas e oportunidades de se preencher, de realizar seu projeto.

 Referências:

Introdução às abordagens fenomenológicae existencial em psicopatologia (II): As abordagens existenciais – José A. Carvalho Teixeira

O Que é Metafísica? – Martin Heidegger

Ser e Tempo – Martin Heidegger

– See more at: http://www.mosaicopsicologia.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=69:da-existencia-heidegger-e-o-vazio-existencial&catid=38:textos-livres&Itemid=62#sthash.6GXwEKrW.dpuf

Heidegger – A arte afirmativa

Heidegger

 Camilo Lelis Jota Pereira e-mail: camilofilosofia@yahoo.com

A arte afirmativa em Martin Heidegger

A tese central da estética proposta por Heidegger em “A origem da obra de arte” é claramente comprometida com a questão ontológica, isto é, sua argumentação procura demonstrar que a arte revela, de um modo particular, a verdade do ser. Com isto neste artigo pretendemos demonstrar que a estética de Heidegger, lida por uma via valorativa, confirma a abertura de perspectivas pluralistas para a compreensão da vida e um “novo infinito” para o mundo, anunciados na obra de Nietzsche.

O que é este remanejamento do questionamento estético para o campo ontológico? O que, este remanejamento, muda em relação à compreensão tradicionalista? Para procurar responder a estes questionamentos, voltemos o olhar para a análise realizada por Heidegger no livro citado.

O livro subdivide-se em A coisa e a obra, a obra e a verdade, a verdade e a arte e como ressalta Moosburger “Os títulos indicam o primado da pergunta pela verdade – verdade que, (…), é pensada no sentido de não encobrimento ou não-velamento (unverborgenheit).” Este direcionamento à pergunta sobre a verdade demonstra a dimensão ontológica da investigação heideggeriana no campo estético, proporcionando à filosofia voltar seu olhar para estudar a obra de arte no que, segundo Heidegger, realmente ela é.

A arte esta na origem, transcende o homem, por isto é ontológica, este é o direcionamento da reflexão de Heidegger, em vista a demonstrá-la efetua-se uma análise da obra de arte; a análise da obra permite a Heidegger caminhar por raciocínios que levam a conceitos que reconfiguram a maneira de entender a arte e já na primeira parte do livro, uma forma que foge ao pensamento lógico é colocada, o filósofo demonstra a circularidade que circunscreve a discussão artística:

Segundo a compreensão normal, a obra surge a partir e através da atividade do artista. Mas por meio e a partir de que é que o artista é o que é? Através da obra; pois é pela obra que se conhece o artista , ou seja: a obra é que primeiro faz aparecer o artista como mestre da arte. O artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. (HEIDEGGER, 1997) O que realmente a obra de arte é? Para descobrir o que a obra de arte é, Heidegger percorre a história da filosofa ocidental e demonstra que a caracterização comumente usada da arte sugere que esta, é um objeto, impreterivelmente, relacionada ao sujeito. A prevalência desta caracterização da obra de arte conduz a um estado limitante da possibilidade da arte, pois para o pensamento do filósofo alemão a arte estaria em outro patamar, como um lugar privilegiado para que ocorra a verdade, sua dimensão não seria restrita à do conhecimento humano.

Mas como pode a arte estar limitando-se? Para entendermos esta limitação, vamos abordar como que Heidegger define a estética moderna.

A estética tradicional trabalha dentro da perspectiva subjetivista, que tem em Kant seu maior expoente, por isto iremos lançar mão da interpretação do pensamento deste filósofo com vista a clarificar a posição de Heidegger.

A inversão copernicana, promovida por Kant, confere ao sujeito transcendental status de agente idealizador da realidade, promove o eu como medida de tudo, a realidade é compreendida em referência ao aparelho cognoscitivo, isto é, o sujeito impõe estruturas cognitivas prévias sobre o objeto, sendo assim, a verdade – pensada como adequação – pode ser fundamentada na autoconsciência deste sujeito, pois este não pode acessar a coisa em si, sua ação esta direcionada aos fenômenos, que respeitam as regras prévias dos juízos subjetivos.

Dentro desta posição subjetivista, a estética transfere para o homem o centro da manifestação artística, o estudo acerca da arte é transferido para a interpretação do estado sentimental do homem em relação ao belo, este entendido como produção intelectiva do sujeito criador e contemplador. Esta visão da arte é compreendida como redutora da manifestação do novo, a abertura do mundo que encontra no artístico um lugar propicio para acontecer é restringido à lógica – demasiadamente humana.

Esta posição antropocêntrica em relação à obra de arte é atacada por Heidegger, pois tratando a obra como um objeto que supõe a existência de um sujeito, o jogo desta compreensão de mundo delimita de tal maneira a estética, que direciona sua ação apenas ao sujeito, o começo e o fim da arte relaciona-se ao homem. Com vista a reestruturar esta via de reflexão sobre a arte, é proposto o direcionamento da investigação para o que é uma obra de arte.

Na primeira parte do livro surge diante da reflexão realizada, uma característica da obra de arte: seu caráter de coisa; concernente a esta definição a pergunta: como a obra pode ser considerada uma coisa? Esta pergunta é respondida através da análise acerca de como que a obra é o que é e como é. No desenrolar desta análise, Heidegger demonstra que a obra de arte esta aí no meio de nós de forma não muito diferente das outras coisas que compõe nosso ambiente.

O quadro está pendurado na parede, como a arma de caça, ou um chapéu. Um quadro como, por exemplo, o de van Gogh, que representa um par de sapatos de camponês, vagueia de exposição em exposição. Enviam-se obras como o carvão de Ruhr, os troncos de árvore da Floresta Negra. (…) Os quartetos de Beethoven estão nos armazéns das casas editoriais, tal como batatas na cave. (HEIDEGGER, A origem da obra de arte, 1977) Diante deste caráter coisal da obra de arte, o pensamento tradicional – metafísico – trabalha de maneira dicotômica, produz um ajunte que separa matéria e forma às perspectivas que caracterizam as coisas; para Heidegger a arte não pode estar situada nesta redução proporcionada pela metafísica, a inseparabilidade entre matéria e forma implica uma nova compreensão da arte e das coisas.

Como já vimos acima, a concepção da estética tradicional produz esta definição pelo desdobrar da posição subjetivista para a compreensão da arte, pois, segundo Kant, os fenômenos são apresentados de maneira dividida em forma e matéria; dentro desta linha a estética kantiana pressupõe que existi uma matéria – uma coisa material – que recebe uma intervenção, de caráter intelectual, que produz a forma nesta simples matéria – a criação artística.

A obra seria uma coisa que remete a algo de outro. A matéria – que esta contida na obra de arte – sendo dotada de sentido só após a intervenção “artística” do homem, permite interpretações que usem, para definir a obra, conceitos que falam da intervenção humana como processo de cópia ou expressão histórica; a obra seria um símbolo, “se a obra é símbolo, ela é um ente de duplo caráter: uma coisa produzida e cindida em estrutura coisal e superestrutura artística.” (Moosburger, 2008)

Mas esta definição, proveniente da incorporação do modo de pensar metafísico, é atacada por Heidegger como a posição com a qual se tenta trazer para o domínio do prazer humano os objetos do mundo através da relação sujeito-objeto, escondendo a natureza da obra de arte, por conseguinte, fazendo que a arte desapareça.

A opção por descrever a arte através de uma via metafísica, acarreta em limitar a arte ao deleite humano, o que para Heidegger foge completamente a verdadeira essência da arte; assim a estética ontológica de Heidegger procura demonstrar, através de uma via não metafísica, que a arte pode ser compreendida distintamente do domínio da estética.

Aqui deparamos com um ponto convergente, o deslocamento do entendimento da obra de arte para o campo ontológico esclarece que a arte não pode ficar vinculada apenas ao processo de subjetivação da realidade, pois esta maneira metafísica de entendimento sugere uma postura, que tem por detrás, uma moral relativa a uma determinada compreensão de mundo.

Faremos um paralelo com a obra de Nietzsche, porque acreditamos que com este instrumento possamos compreender melhor o que esta por trás desta postura moral que a investigação heideggeriana sobre a obra de arte nos colocou como evidente.

Nietzsche faz um resgate da meditação sobre o sentido e o valor da existência, através da análise da manifestação cultural, “os festivais trágicos”, de um povo – o grego – que mantinha uma postura apreciativa da existência na sua multiplicidade e com isto aventa a disposição em favor de contemplar a vida em todos os aspectos. A boa disposição com o mundo, encontrada na leitura que Nietzsche faz da cultura grega pré-filosófica, sofreu um processo de decadência junto ao surgimento da filosofia idealista que tem como ícone Platão e Sócrates, cabe ressaltar aqui, que também Heidegger vai procurar resgatar o modo de pensar o mundo que existiria antes de Sócrates.

A decadência da boa disposição com a existência, que começa com o pensamento do filósofo Sócrates onde “conhecer é o caminho para o agir perfeito”, é acusada por Nietzsche em seu livro de estréia, a saber, “o nascimento da tragédia”, emerge junto à problemática da teorização racional do saber, o sujeito capaz de enxergar a “verdade” procura fundamentar a sua vida na descoberta da essência fundamental da realidade.

No campo da arte temos o “socratismo estético”. A arte agora se enquadra em aspirações do conhecimento, a possibilidade de criar novas interpretações sobre a vida e de ter prazeres inesperados é atacada por uma filosofia que privilegia espíritos do estável em detrimento das novas sensações. Com o aparecimento da consciência filosófica a busca, pela via da teoria, a aprender viver melhor, limita o homem a lançarem-se ao desconhecido, assim como na vida, na arte, de acordo com a “estética inovadora” de Heidegger as “coisas” estão aí sendo compreendidas pelo ponto de vista do deleite humano.

O otimismo teórico e, ou, “socratismo estético”, depende da duplicação metafísica da realidade, pois, só funciona fundamentada em uma dicotomia moral absoluta. Aqui entendemos como o inicio do processo de subjetivação, que passa por Descartes – onde é levantado o problema gnosiológico – até chegar a Kant, que configura através das doze categorias a perspectiva única e universal de compreensão do mundo, teve sua origem, segundo Nietzsche, em uma posição de envergadura moral em relação à vida.

Esta consciência tipicamente metafísica opera de forma a busca, em meio à multiplicidade, aquilo que é invariável, para tanto aplica, um esquema de leitura que reduz as possibilidades de abertura do mundo à compreensão racional da atividade criadora humana, em vista disto, podemos ter com Heidegger uma forma mais dignificante de expansão das possibilidades humanas através da arte.

Heidegger apresenta o quadro de Van Gogh, onde esta retratada um par de sapatos de um camponês, este quadro de um instrumento, na verdade resgata a matéria que foi consumida na instrumentabilidade e manifesta o mundo do camponês, feito de trabalho e esperança. O mero instrumento em seu uso, em sua faculdade de servir, esconde o seu ser. O par de sapatos não foi adequado à realidade através da pintura, mas desvelado o seu mundo. À reflexão acerca da arte, Heidegger introduz novas características: a apresentação do mundo e a revelação da terra.

A criação artística do homem é um processo complexo, o homem que se coloca a fabricar seu mundo não pode negar a terra, assim a obra de arte não se compõe de matéria à qual se acrescenta um valor estético, a arte se manifesta no domínio aberto por ela mesma.

Partimos do questionamento sobre o que seria a proposta de deslocamento da reflexão sobre a arte para o campo ontológico, apresentado o caráter moral da opção pela postura subjetivista que reduz as possibilidades de compreender o mundo, adentraremos na mudança da investigação artística e suas concepções afirmativas.

O conceito de mundo apresentado por Heidegger, não se refere ao conjunto de coisas que nos cercam, aos objetos dados, mas deve ser entendido como aquilo que de concreto, dá sentido às manifestações humanas. Neste sentido a obra de arte abriga todo o relacionamento de um povo com sua cultura, seus anseios e celebrações, ou seja, a obra de arte apresenta, pois, um mundo.

Por outro lado, a obra de arte é sempre aquilo de que é feita, a “mão” do homem utiliza a matéria que encontra aí na terra e fabrica algo que relaciona e faz sentido ao seu mundo. Este fabricar algo significa, segundo Heidegger, revelar o que estava oculto, trazer para o sensível o que estava no mais profundo da realidade do material.

A superação da estética tradicional, traz para a reflexão de Heidegger uma experiência originária: a arte sendo origem é entendida como acontecimento. A arte como acontecimento remete à abertura de mundo pela obra de arte, a matéria é envolvida pelo artista, desvelando um mundo que está se pondo em obra através da obra.

O artista e a obra ocorrem ao mesmo momento, não esta em jogo a causa e a razão da arte, mas a arte em processo de des-ocultação da verdade do ser:

Aonde a obra se recolhe e o deixa vir à luz a nesse recolher-se, a isso chamamos terra. Ela é a acolhente que vêm-a-frente. A terra é a incansável e sem esforço impelida para nada. Sobre a terra e nela o homem historial funda sua morada no mundo. Na medida em que a obra instala um mundo, elabora a terra. O elaborador é aqui para ser pensado no sentido estrito da palavra. A obra faz a própria terra voltar-se para o aberto do mundo e nele mantém. A obra deixa a terra ser uma terra (Der ursprung des kunstwerkes. 2003; in: Moosburger, 2008)

Através do combate entre terra e mundo, a arte possibilita o desvelamento daquilo que se esconde, segundo Heidegger, não há esperanças de um acordo sobre este combate: “ele deve permanecer como combate para dar unidade e autonomia à obra de arte”, terra e mundo apesar e por causa de sua diferença essencial, mantêm uma dependência recíproca.

A manifestação artística não é compreendida em sua relação com os sentimentos humanos, a perspectiva agora coloca a obra e o artista dentro do mesmo “barco” em relação à arte. A essência da criação é determinada, segundo Heidegger, pela des-oucultação da verdade, não esta mais restrita ao processo estético.

Esta desumanização da arte nos permite aludir à pluralidade de perspectivas que nos fala Nietzsche, pois, o sujeito foi deslocado da posição que permitia ao homem se impor pelo julgo estético acerca do mundo, a verdade encontra-se em um processo em aberto como nos fala a obra de arte.

Então, daí a possibilidade de um novo infinito para o mundo junto aos diversos focos humanos individuais que se depara com a abertura ao desconhecido, encantam-se novamente com os des-velamentos do ser e novas maneiras de “colorir o mundo”.

Entender a obra de arte como abertura de mundo, remete a uma postura afirmativa em relação à existência, Heidegger coloca a arte em uma posição muito além de ideologias ou posturas morais que possam descrever o mundo e, conseqüentemente, a obra de arte.

Antes de tudo ela ensinou, através de milênios, a olhar com interesse e prazer para a vida em todas suas formas e a levar nossa sensação tão longe que finalmente exclamamos: ‘Seja como for, a vida, é boa!’ esse ensinamento da arte, que consiste em encontrar prazer na existência e considerar a vida humana como quem considera um pedaço de natureza, sem se empolgar demais, vendo-a como um objeto de um desenvolvimento conforme a leis. (NIETZSCHE, 1978)

Bibliografia :

MOOSBURGER, Laura de Borba. Mundo, terra e “não-encobrimento” em A origem da obra de arte, IN: Revista Artefilosofia; Tessitura, Belo Horizonte, 2008.

HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, Lisboa: Edições 70, 2004. NIETZSCHE, Obras incompletas / Friedrich Nietzsche ; seleção de textos de Gerard Lebrun ; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo : Abril Cultural, 1974

A angústia, o nada e a morte em Heidegger

Retirado do site: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-31732003000100004&script=sci_arttext

A angústia, o nada e a morte em Heidegger

Anguish, nothingness and death in Heidegger

Marco Aurélio Werle1


RESUMO

O artigo investiga a relação entre os conceitos de medo, angústia, nada e morte na filosofia da existência de Heidegger. Pretende-se apontar para o papel destes fenômenos existenciais na passagem do ser-aí desde a inautenticidade para a autenticidade de seu ser.

Palavras-chave: Heidegger; existencialismo; filosofia; ética.


ABSTRACT

This paper investigates the relationship between the concepts of fear, anguish, nothingness and death in Heidegger’s philosophy of existence. It points to the role of these existential phenomena in the transformation of “Dasein”, from the inauthenticity to the authenticity of its Being.

Keywords: Heidegger; existentialism; philosophy; ethics.


Neste artigo pretende-se examinar os conceitos de angústia, de nada e de morte na analítica da existência de Heidegger, na medida em que estes três conceitos ocupam um papel estratégico na proposta de Heidegger, emSer e tempo, de novamente colocar a questão do sentido do ser, sob o fundo do esquecimento do ser provocado por toda a metafísica ocidental. Para tanto, o desenvolvimento do artigo segue o seguinte caminho: 1) inicialmente pretende-se comentar a proposta de Heidegger de uma filosofia da existência, ressaltando seus principais momentos, para, a seguir, 2) situar, no interior da analítica da existência, os temas da angústia, do nada e da morte.

Quando se pretende examinar a filosofia de Heidegger como filosofia da existência, o que significa tratar da primeira filosofia de Heidegger, exposta principalmente em Ser e tempo, do ano de 1927, logo nos defrontamos com um problema, pois o filósofo negou em vários momentos que sua preocupação exclusiva fosse a existência. Na Carta sobre o humanismo, de 1947, ao se referir ao enunciado de Sartre de que a existência precede a essência, Heidegger afirma: “O enunciado principal do  existencialismo’ não tem nada em comum com aquele enunciado de Ser e tempo” (1996, p.329). Nesta carta Heidegger inclusive critica o humanismo, também identificado por Sartre como extensão conceitual do existencialismo, e afirma que a essência humana tem de ser pensada para além de uma definição enfática de homem, por ex., como animal racional, já que o que distingue o homem é a sua relação com o ser e o modo como ele resguarda o ser, e não na medida em que é definido como um ser dotado de razão. A partir disso, Heidegger irá dizer neste texto de 1947 que o homem é o pastor do ser e que a linguagem é a casa do ser. Certamente Heidegger havia dito em Ser e tempo que a essência é a existência (1989a, §9), mas com isso ele não pretendia estabelecer uma filosofia da existência enquanto existencialismo, e sim seu tema era a verdade ou o sentido do ser que, embora deva ser inicialmente posto em questão no âmbito da existência humana, a transcende na direção da história do pensamento filosófico ocidental como um todo2 . A primeira questão, portanto, que temos de abordar na filosofia da existência de Heidegger refere-se à sua especificidade de pensar a existência indo além da existência.

O problema fundamental da filosofia de Heidegger como um todo não é a existência, mas a questão do Ser, que ele certamente desenvolve em sua obra principal Ser e tempo no horizonte da existência, mas em seu pensamento posterior aborda no campo de uma certa filosofia da história e de uma reflexão aliada à poesia. O ponto de partida de Heidegger, ou o que coloca o problema do ser, é o esquecimento do ser, que o filósofo diagnostica em toda a tradição filosófica ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche. Desde os gregos o pensamento não teria distinguido adequadamente a diferença entre ente e ser, entre o que existe simplesmente como uma coisa e entre o que é enquanto ser. Em outras palavras, trata-se aqui da confusão entre o ôntico (relativo ao ente) e o ontológico (relativo ao ser), que perfaz a diferença ontológica. Investigar o ser do ente não é a mesma coisa do que investigar a maneira como no ente se manifesta o ser, que neste caso é o ser enquanto tal. É certo que o ser só se dá no ente, mas isso não significa que pode ser reduzido ao ser do ente. O tema do ser, com o qual começou o pensamento ocidental com os pré-socráticos, portanto, tem de ser novamente levantado a partir de uma ontologia fundamental, e isto tomando como fio condutor o único ente que tem a possibilidade de questionar o ser, que é o homem. Pois o homem é dentre todos os entes o único que compreende o ser, o sentido do fato de que ele é, de que existe.

Desse modo, logo no começo de Ser e tempo, Heidegger afirma que a questão do ser não se coloca senão ao ente privilegiado que é capaz de questionar o ser, que possui uma compreensão do ser [Seinsverständnis]. Este ente é o homem, que Heidegger chama de “ser-aí” [Dasein], o homem enquanto um ente que existe imediatamente em um mundo (1989a, §4). Por meio do termo Dasein, que define o ponto de partida da analítica existencial, Heidegger pretende ultrapassar a separação entre sujeito e objeto, que ele considera uma herança prejudicial da filosofia moderna na compreensão do que seja o homem. Dasein é o homem na medida em que existe na existência cotidiana, do dia-a-dia, junto com os outros homens e em seus afazeres e preocupações. Para investigar o Dasein enquanto possui sempre uma compreensão de ser impõe-se uma analítica existencial, que tem como tarefa explorar a conexão das estruturas que definem a existência do Dasein, a saber, os existenciais. O método da analítica existencial é buscado tanto na fenomenologia quanto na hermenêutica, de modo que se designa de método fenomenológico-hermenêutico (idem, §7): parte-se da própria manifestação do Dasein ele mesmo em sua existência que, por sua vez, tem de ser interpretada de dentro para fora em suas principais estruturas ontológicas que a definem e que permitem a colocação da questão do ser. Dito em outras palavras, a questão do ser do Dasein é investigada tanto segundo a máxima da fenomenologia, do “ir às coisas elas mesmas” [zu den Sachen selbst], quanto com a máxima da “interpretação no horizonte da compreensão”, proposta pela hermenêutica.

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Heidegger – A descoisificação da coisa em tempos de guerra ou terror.


Introdução.

Neste trabalho, será problematizado o texto “A coisa” de Martin Heidegger e visado a temática do terror que pouco é dissertado em seu referido texto, mas que tem sua sombra por todas as suas entrelinhas. Porém, para isso é preciso deixar claro outras questões de mesma importância para que todo o raciocínio faça o devido sentido. Assim, se conceituará o que é proximidade, a coisa, o vazio, o coisificar e o descoisifcar da coisa e, por fim, o terror. Aqui será feito uma análise do texto e dos pensamentos impressos nele, tomando, assim, o autor a liberdade de reorganizar a ordem do texto “A coisa” para melhor expressar sua intenção e foco. Deste modo, se poderá enxergar o que está mais envolvido neste problema da coisa.

A proximidade e suas conseqüências.

Heidegger, para chegar ao conceito de coisa, trata de dissertar sobre a distância em sua – e em nossa – época, isto é, “todo o distanciamento e todo o afastamento no espaço estão se encolhendo”[1], pois o homem está superando as maiores longitudes que antes se levavam dias, levando “hoje” segundos ou algumas horas, através do rádio, de um avião, carro etc. Mas esta diminuição de distância ainda não nos traz proximidade, ou seja, tudo continua em seu mesmo lugar, todavia o modo como chegamos à ela ou como ela chega a nós que diminui ou, ainda, aumenta sua distância. Em outras palavras, “pequeno distanciamento ainda não é proximidade, como um grande afastamento ainda não é distância”[2].

Daqui a diante, nós podemos nos perguntar com Heidegger o que é esta proximidade que, mesmo quando a maior distância se torna mais curta, não se dá. O que é esta proximidade que quando, em sua falta, até a distância se ausenta? O que se dá quando por esta supressão de distâncias temos coisas igualmente próximas e distantes?

Para isto, Heidegger só tem uma resposta: “tudo está sendo recolhido à monotonia e uniformidade do que não tem distância”[3]. Tal recolhimento angustiante foi em sua época causada pela demonstração das duas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, causando o “terror” de que Heidegger se refere em sua filosofia sobre o conceito de coisa[4]. Mais claramente dito, as bombas atômicas – sem contar as de hidrogênio – mostraram seu poder de destruição em massa que, somando-se a esta supressão das distâncias, tornou tal perigo muito próximo, ocasionando a chamada Guerra Fria, porém este terror ainda não está apenas em um medo de se acontecer, consigo, ou em seu próprio país, devido à proximidade, pois, afinal, o que é pormenorizadamente este fenômeno que foram as explosões das bombas atômicas? Este “terror é o poder que joga para fora de sua essência, sempre vigente, tudo o que é e está sendo (…)Ele se mostra e se esconde na maneira como, hoje, tudo está em voga e se põe em vigor, a saber, no fato de, apesar da superação de todo distanciamento e de qualquer afastamento, a proximidade dos seres estar ausente”[5].

Mas voltemos rapidamente à questão da proximidade para se desenvolver melhor posteriormente este fenômeno que Heidegger chama de terror. Desta maneira, temos a proximidade como sendo algo que não se pode encontrar, porém, no próximo, está o que costumamos chamar de coisa. Entretanto, que é esta coisa?

A Coisa.

Seguindo o exemplo da jarra como coisa de Heidegger, prosseguiremos aqui, tentando responder a questão anterior. À primeira impressão é que a jarra é parede e fundo, um recipiente. Esta jarra, a coisa, subsiste em si e por si mesma, não sendo objeto “que subsiste por opor-se e contrapor-se a um sujeito[6], a não ser como memória ou representação, porém o ser da coisa não está em se fazer dela objeto. Pois, a jarra continua receptáculo, quer representemos ou não.

Mas o que quer dizer uma subsistência em si e por si? “A jarra, na verdade, só subsiste como receptáculo à medida que foi conduzida a ser e estar em si mesma. Sem dúvida, é o que aconteceu e acontece numa con-dução especial, a saber, pela pro-dução” [7]. Ou seja, é a produção que faz a jarra subsistir em si e por si. Porém, a jarra ainda se torna um objeto de uma pro-dução que pro-duz e a-duz, pondo de frente a nós[8]. Porém, pensando ainda a subsistência da coisa pela sua objetividade, nenhum caminho leva ao próprio ser coisa da coisa, a coisalidade.

Nesta altura, não resta outra pergunta que: “que é o coisal da e na coisa? Que é a coisa em si mesma?[9]

A jarra foi pro-duzida pelo oleiro por ser e para ser este receptáculo, que dissemos antes, sendo uma jarra. Desta mesma maneira se comportam as coisas, ou seja, são pro-duzidas por serem e para serem o próprio ser da coisa, sua coisalidade. “É a pro-dução que deixa a jarra introduzir-se no modo próprio de seu ser”[10]. Porém, a introdução da jarra nunca se dará no momento de seu processo de pro-dução, pois ainda se apresenta ao pro-dutor, que apenas procura o perfil e a fisionomia de seu ser, neste processo de coisa ainda não há uma coisificação. Mas quando enchemos a jarra de água, percebemos o receptáculo, ou seja, percebemos o ser da coisa da jarra, sua coisalidade.

Mas cavando-se um pouco mais fundo, nos perguntamos: “se colocarmos água na jarra, realmente ela, a água, vai para as paredes e o fundo?” Um ecoante “não” é a resposta. Pois, o que a água apenas preenche é a jarra vazia.

O Vazio.

O vazio é o recipiente do receptáculo. O vazio, o nada na jarra, é que faz a jarra ser um receptáculo, que recebe”[11]. Não são a parede e o fundo que formam o receptáculo, pois, se fossem, formaria-se apenas argila e não se visaria um “receber”, que está no ser da coisa do receptáculo. “Pois é para o vazio, no vazio e do vazio que ele conforma, na argila, a conformação de receptáculo (…) É no vazio da jarra que determina todo tocar e apreender da pro-dução. O ser coisa do receptáculo não reside de forma alguma, na matéria, de que consta, mas no vazio, que recebe”[12] e é desta maneira que a jarra subsiste.

O vazio da jarra recebe e retém o recebido, desta maneira, esta recepção dupla repousa na vaza. E este vazar da jarra é sua doação, o seu doar. A jarra pode fazer dois tipos de doações, as doações em matéria de água ou outro líquido para se beber e matar a sede, para os homens, que chamaremos aqui por “mortais”; e doações para uma consagração, que, diferente da doação para os mortais, vaza a sagração, é a oferenda aos imortais.

Na água que vaza a jarra, ou melhor, em sua fonte, “perdura todo o conjunto das pedras e todo o adormecimento obscuro da terra, que recebe chuva e orvalho do céu. Na água da fonte, perduram as núpcias de céu e terra.”[13] Desta forma, temos na doação da jarra vivendo em conjunto, terra e céu, mortais e imortais. Os quatro se unem em conjunção e se conjugam numa única quadratura de reunião. Assim, “na reunião desta recíproca fiança que eles se des-velam e des-cobrem que são o que são (…) a coisa coisifica, no sentido de, como coisa, reunir e conjugar, numa unidade, as diferenças (…) Na apropriação da quadratura, em sua propriedade, a coisificação ajunta-lhe a passagem por cada momento de duração: nesta e naquela coisa”[14].

Então, temos o ser da coisa, o coisificar, o receber, reter e vazar da jarra não como um simples objeto da pro-dução ou da representação como vimos antes, mas, sim, se, e apenas se, “a jarra é uma coisa à medida e enquanto coisifica, no sentido de reunir e recolher, numa unidade, as diferenças. É a partir desta coisificação da coisa que se apropria e se determina, então, a vigência do vigente deste tipo, a jarra”[15].

A descoisificação da coisa como coisa.

Porém, hoje reina a falta de proximidade e sem esta proximidade as coisas não podem coisificar. Até na própria questão de distância e proximidade a ciência, um dos primeiros e maiores empecilhos para a coisalidade, diria que seria um mero encurtar de metros ou centímetros, uma mera distância entre pontos no espaço, desta maneira, não trata a realidade como deveria ser feita, pois de nada nos aproximamos. De uma mesma forma, a física explica o vazio da jarra muito bem: o que há mesmo dentro da jarra é ar e não o vazio. O que há fisicamente é uma troca da água pelo ar dentro da jarra, sendo esta a representação do real em seu modo de representação particular, que Heidegger chama de constrangedor, porque, através da sua representação, “faz da coisa-jarra algo negativo, enquanto não deixar as coisas mesmas serem a medida e o parâmetro[16], anulando a coisa como coisa muito antes das bombas atômicas explodirem. Desta maneira, Heidegger separa o que é o “vazio” da física e o que é o vazio da jarra para “receber” que se deve entender e, assim também, a distância e a proximidade. Aqui é separado os âmbitos da linguagem que se devem ser usados.

Então, sabemos que esta ciência que se proclama dizer das coisas reais, apenas se distancia das coisas mais próximas no momento em que não as deixa coisificar, mostrar sua coisalidade, mas se relaciona com elas como objetos, as afastando. Assim, “todo encurtamento e toda supressão dos afastamentos não nos trazem nenhuma proximidade”[17]. Mas o que traz então?

A jogada final da Segunda Guerra Mundial “é apenas, a confirmação mais grosseira dentre todas as outras, de que a anulação da coisa, de há muito, já aconteceu. É a afirmação de que a coisa, como coisa, virou nada”. Mas por que, ainda, tal explosão confirma e não afirma? Ela confirma, pois, apesar da pesquisa científica do real, que ilude-nos que as coisas pudessem continuar sendo coisas, como se um dia o tivessem sido, já se teriam reivindicado e preocupado o pensamento a muito sobre a coisalidade. Porém, contrariamente às pesquisas científicas do real, o que se confirma é que o ser da coisa, sua coisalidade continua vedada, proibida e anulada. Assim, a coisa nunca pode aparecer como coisa.

O Terror

A coisa só pode mostrar seu ser se coisifica, mostra sua coisalidade. E nesta coisificação, perduram terra e céu, mortais e imortais. Deste modo, “a coisa leva os quatro, na distância própria de cada um, à proximidade recíproca de sua união. Este levar consiste em aproximar”[18]. Mas mostrou-se em 1945 como este aproximar de fato pode estar distante.

Neste trabalho foi mostrado como é pro-duzido uma jarra, necessitando ela de parede, fundo e, principalmente, seu vazio para vazar, fazer a sua doação. Assim também é uma casa, que não passa de teto, fundo e paredes com um vazio dentro para receber. Pois, então, some-se este conhecimento sobre a coisa e a jarra – a casa também – com a supressão das distâncias no mundo inteiro. Mas isto e o fato de se ter duas potências, a saber, Estados Unidos e U.R.S.S., pelo menos na época em que Heidegger tratou do assunto, com armas nucleares a sua disposição, mas “agora” com a demonstração pública de Hiroshima e Nagasaki. O resultado destes fatores não poderia ser outro, o terror.

O simples fato de se existir tal ameaça de ambos os lados e a praticamente dedução do que se poderia causar uma bomba nas “curtas distâncias” ou proximidades é de se causar horror ou, ainda, nas palavras de Heidegger, uma “angústia desesperada”[19], que fica esperando. Mas não é para menos, pois as bombas foram a confirmação de como a coisa está anulada. Afinal de contas, através do trabalho aqui desenvolvido, sabemos o que é preciso para se coisificar, mas, em um rápido exemplo se pode ficar mais claro a descoisifição da coisa, como foi citado acima, a jarra necessita de fundo e paredes em volta de seu vazio, isto são o que visa sua pro-dução para poder receber, reter e doar seja água para beber ou fazer uma consagração, uma oferenda ao sagrado, em outras palavras, para a jarra se remeter aos mortais e aos imortais, terra e céu. Mas com a simples destruição da parede ou do fundo a coisa já não pode coisificar, pois já não está em como o oleiro, com a jarra, e o pedreiro, com a casa, visaram pro-duzi-las. Assim, sem isto as coisas que tínhamos próximas voltaram ao estágio de matéria-prima, sendo necessária novamente sua produção para poderem ser coisas. E desta forma se comporta a bomba atômica ou o ato de destruição em grande escala, des-pro-duz as coisas, descoisificando ainda mais que as ciências que se dizem reportar ao real. A morada da casa, o vazar da jarra para a sede do homem, o consagrar da jarra e da casa podem não mais se coisificar pela ameaça das bombas e da supressão das distâncias, desta maneira a “desesperada angústia”, que foi supracitada, funcionou na Guerra Fria como o terror.

Assim, com certeza o problema da ciência não lidar com a coisa como coisa é um grande empecilho para o ser da coisa se mostrar, mas este mais novo terror que se apresenta é a confirmação de como as coisas não só se descoisificam como se tornam nada, mostrando como nunca as coisas puderam se mostrar como coisas e como – novamente citando – o “terror é o poder que joga para fora de sua essência, sempre vigente, tudo o que é e está sendo (…)Ele se mostra e se esconde na maneira como, hoje, tudo está em voga e se põe em vigor, a saber, no fato de, apesar da superação de todo distanciamento e de qualquer afastamento, a proximidade dos seres estar ausente”[20].


[1] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 143

[2] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 143

[3] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 144

[4] Nos dias de hoje, poderíamos ter o “terrorismo” como substituto, por exemplo, nos casos de homem-bomba, carros-bomba, os seqüestros de aviões do 11 de setembro, etc

[5] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 144

[6] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 145

[7] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 145

[8] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 145

[9] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 146

[10] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 146

[11] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 147

[12] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 147

[13] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 150

[14] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 151

[15] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 155

[16] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 148

[17] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 155

[18] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 155

[19] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 144

[20] HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferências. São Paulo. Editora Vozes. 2002. p. 144