Heidegger’s ‘black notebooks’ reveal antisemitism

He is widely regarded as one of Europe‘s most influential 20th century philosophers whose writings inspired some of the important thinkers of the modern era. But almost four decades after Martin Heidegger‘s death, scholars in Germany and France are asking whether the antisemitic tendencies of the author of Being and Time ran deeper than previously thought.

The philosopher’s sympathies for the Nazi regime have been well documented in the past: Heidegger joined the party in 1933 and remained a member until the end of the second world war. But antisemitic ideas were previously thought to have tainted his character rather than touched the core of his philosophy – not least by Jewish thinkers such as Hannah Arendt or Jacques Derrida, who cited their debt to Heidegger.

This week’s publication of the “black notebooks” (a kind of philosophical diary that Heidegger asked to be held back until the end of his complete work), challenges this view. In France the revelations have been debated vigorously since passages were leaked to the media last December, with some Heidegger scholars even trying to stop the notebooks’ publication.

In Germany, one critic has argued that it would be “hard to defend” Heidegger’s thinking after the publication of the notebooks, while another has already called the revelations a “debacle” for modern continental philosophy – even though the complete notebooks were until now embargoed by the publisher.

The most controversial passages of the black notebooks are a series of reflections from the start of the second world war to 1941. While distancing himself from the racial theories pursued by Nazi intellectuals, Heidegger argues that Weltjudentum (“world Judaism”) is one of the main drivers of western modernity, which he viewed critically.

“World Judaism”, Heidegger writes in the notebooks, “is ungraspable everywhere and doesn’t need to get involved in military action while continuing to unfurl its influence, whereas we are left to sacrifice the best blood of the best of our people”.

In another passage, the philosopher writes that the Jewish people, with their “talent for calculation”, were so vehemently opposed to the Nazi’s racial theories because “they themselves have lived according to the race principle for longest”.

The notion of “world Judaism” was propagated in the Protocols of the Elders of Zion, the notorious forgery purporting to reveal a Jewish plan for world domination. Adolf Hitler stated the conspiracy theory as fact in Mein Kampf, and Heidegger too appears to adopt some of its central tropes.

“Heidegger didn’t just pick up these antisemitic ideas, he processed them philosophically – he failed to immunise his thinking from such tendencies,” the notebooks’ editor, Peter Trawny, told the Guardian.

The notebooks also show that for Heidegger, antisemitism overlapped with a strong resentment of American and English culture, all of which he saw as drivers of what he called Machenschaft, variously translated as “machination” or “manipulative domination”.

In one passage, Heidegger argues that like fascism and “world judaism”, Soviet communism and British parliamentarianism should be seen as part of the imperious dehumanising drive of western modernity: “The bourgeois-Christian form of English ‘bolshevism’ is the most dangerous. Without its destruction, the modern era will remain intact.”

In an almost playful dig at English culture, he writes: “What, other than engineering and metaphysically paving the way for socialism, other than commonplace thinking and tastelessness, has England contributed in terms of ‘culture’?”

Trawny, who is also director of the Martin Heidegger Institute, said he was “shocked” when he discovered the antisemitic passages a year and a half ago, but decided to go ahead with their publication in spite of the potential damage they could cause to the philosopher’s legacy. “I still think you can engage with Heidegger constructively,” he said. “These revelations will help that process.”

Other philosophers have argued that the new revelations do not amount to a “smoking gun” of antisemitism, and should not lead to a dismissal of Heidegger’s other writings even if they did. “Philosophy is about learning to be aware of problems in your own thinking where you might not have suspected them,” said the British philosopher Jonathan Rée about the black notebooks.

“The best of what Heidegger wrote – indeed the best of philosophy in general – is not an injunction to agree with a proffered opinion, but a plea to all of us to make our thinking more thoughtful.”

Da Existência – Heidegger e o Vazio Existencial

http://www.mosaicopsicologia.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=69:da-existencia-heidegger-e-o-vazio-existencial&catid=38:textos-livres&Itemid=62

Por: Giovanni Gaeta – Psicólogo

A angústia nos corta a palavra. Pelo fato de o ente em sua totalidade fugir, e assim, justamente, nos acossa o nada, em sua presença, emudece qualquer dicção do “é”. O fato de nós procurarmos muitas vezes, na estranheza da angústia, romper o vazio silêncio com palavras sem nexo é apenas o testemunho da presença do nada. Que a angústia revela o nada é confirmado imediatamente pelo próprio homem quando a angústia se afastou. Na posse da claridade do olhar, a lembrança recente nos leva a dizer: Diante de que e por que nós nos angustiávamos era “propriamente” — nada. Efetivamente: o nada mesmo — enquanto tal — estava aí.

Heidegger – Que é Metafísica?

Em Ser e Tempo, Heidegger situa o ser a partir da perspectiva do tempo. O que isto significa? Para Heidegger, o tempo não é algo externo ao homem, mas faz parte dele. O tempo é a relação entre o agora do homem, a forma como reteve o presente anteriormente e o horizonte de orientação quanto ao futuro. Em Heidegger, a existência está no horizonte do ser e do tempo. O homem é lançado no mundo sem saber por que. Ele desperta para a consciência já imerso nesta condição. Se conscientiza da própria finitude e teme a morte. Condenado à morte, o homem sabe que não poderá realizar todas as suas possibilidades e, além disso, não tem sequer a certeza de que se realizará nesta vida, de que será feliz. Segundo Heidegger, esta consciência gera a angústia diante da morte e da própria vida. A angústia de morte refere-se à consciência do indivíduo sobre seu possível não-ser. É o estado subjetivo da conscientização por parte do sujeito de que sua experiência pode ser destruída, de que ele pode perder o próprio ser e o mundo. Angustiado, o homem percebe que é preciso adiantar-se à própria morte, escolher a si mesmo. A angústia heideggeriana permite que o homem possa resgatar-se do viver cotidiano. Ela está sempre presente, é a condição do ser. Pode ser vivida num distanciamento ou aproximação. Enquanto distante, será vivida como medo. Ao aproximar-se dela, o homem vai ao encontro da sua totalidade.

Heidegger localiza o homem na temporalidade. O Dasein é concebido numa conjugação entre o “ser-sido” (o nada), o “estar em situação” (o cuidado) e o “por-vir”(o nada). É o se saber como ser para a morte. A consciência da morte exige que o homem dimensione-se no tempo. Se a existência é finita, as possibilidades também são. Cabe então elaborar um projeto e definir estratégias para realizá-lo. Há sempre uma inquietação relativa ao tempo, uma tensão constante entre o vir-a-ser e o passado. Se o homem assume essa inquietação, vive a vida autêntica; distancia-se dessa consciência, cai na inautenticidade, vivendo como que levado pelo destino.

Diante dessa exigência, o homem pára para refletir. Investiga o significado da própria existência e descobre que este significado não pode ser encontrado nele próprio, mas na sua relação com o mundo. O homem questiona seu lugar no mundo. O vazio e a falta de sentido da e na vida são aspectos difíceis de serem aceitos e vividos. Entrar em contato com tais aspectos deixa o homem sem saber como agir e desamparado. A angústia gerada neste contato é muitas vezes insuportável e alguns homens preferem fugir desta consciência, preenchendo sua vida com coisas, objetos materiais, sucesso, prestígio, etc. Tal caminho muitas vezes leva o homem à outras formas de sofrimento, pois não reconhecendo-se naquilo que faz, este homem tende a cair no tédio existencial, a dor de ver a existência passar e não estar vivendo todas as possibilidades que lhe são oferecidas pela vida. É a falta de perspectiva de evolução, a noção de se estar vivendo uma vida sem sentido. Ao evitar o vazio existencial, a ruptura com o cotidiano em direção ao autoconhecimento e descobrimento das próprias potencialidades, o homem se impede de encontrar novas trilhas e oportunidades de se preencher, de realizar seu projeto.

 Referências:

Introdução às abordagens fenomenológicae existencial em psicopatologia (II): As abordagens existenciais – José A. Carvalho Teixeira

O Que é Metafísica? – Martin Heidegger

Ser e Tempo – Martin Heidegger

– See more at: http://www.mosaicopsicologia.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=69:da-existencia-heidegger-e-o-vazio-existencial&catid=38:textos-livres&Itemid=62#sthash.6GXwEKrW.dpuf

Heidegger – O Vazio e o Nada

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Martin Heidegger, ao criticar a metafísica clássica, critica-a pelo niilismo que ela põe ao se esquecer do ser e debruçar-se exclusivamente sobre os entes. Neste rumo, o niilismo do discurso metafísico, que encontrou seu fundamento histórico no pensamento de Parmênides de Eléia (cerca de 530-460 a.C), situa-se, para Heidegger,  nanadificação da totalidade do ser, pois tal discurso nada fala sobre o ser do ente.
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[…] pensar o ente sem pensar o ser é pensar nada do ser, pensar o ente como nada. A metafísica ocidental, sendo uma doutrina do ente sem o pensamento do ser, é no seu conjunto niilismo.
A superação do niilismo acontece na recolocação da pergunta sobre o ser (MOLINARO, 2002, p.53).
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De fato,  a alocução metafísica, esqueceu-se da pergunta filosófica: “Que é isto?”, dando margem apenas às perguntas acerca dos entes: “como é isto?”, “para que isto?”, etc., perguntas que oportunizaram o avanço da técnica científica e ao paradigma da subjetividade desde a modernidade, porém nada fala sobre o ser e ignora o conceito de nada. Quanto a essência na pergunta filosófica, escreve Heidegger:
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[…] o ‘é’ traz uma carga transitiva e designa algo assim como ‘recolhe’. O ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente. O ser é o recolhimento […] Todo ente é no ser […] Todo mundo sabe: ente é aquilo que é. Qual a outra solução para o ente a não ser esta: ser? (HEIDEGGER, 1973, p.215).
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Márcia Schuback, no artigo “O vazio do nada: Heidegger e a questão da superação da metafísica” ressalta que para Heidegger, pensar o nada é  mesmo, pensar “a força que renova o mundo”, também enfatiza que deparamo-nos com um vazio (To Kenón) na história do discurso filosófico. Afirma:
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A virada para a filosofia que Heidegger significou para a fenomenologia pode ser caracterizada como uma virada para o vazio […] significa, em Heidegger, a possibilidade de se pensar o impensável, isto é, o nada […] pensar a força que renova o mundo (SCHUBACK apud IMAGUIRE et.al. , 2007, p.81).
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Então, este vazio representa a ausência da luz da linguagem filosófica sobre a totalidade do ser. “[…] o nada é a negação da totalidade do ente, o absolutamente não-ente. Com tal procedimento subsumimos o nada sob a determinação mais alta do negativo e, assim, do negado […] o nada é mais originário que o ‘não’ e a negação” (HEIDEGGER, 1973, p. 235).
Pensar essa nada como força renovadora é descobrir neste vácuo a possibilidade de trazer à luz a totalidade do ser ao se retornar, através do pensar, à autêntica questão filosófica – “que é isto?” – procurando o ser dos entes a fim de que  o vazio do nada seja preenchido pelo advento do ser, este que renova o mundo.
Para o discípulo de Heidegger, o filósofo japonês Keijii Nishitani (1900-1990), o espaço para o nada, contemplado no pensamento de seu mestre é como a antítese à imposição do ser, que seria a tese, no discurso clássico da Filosofia.
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Para Nishitani, o ‘campo’ do nada, entreaberto pelo pensamento de Heidegger é um nada contra o cheio da substância, sendo um conceito negativo e não inteiramente positivo do nada, o nada como nada, só seria possível segundo o filósofo japonês, numa superação da oposição entre ser e nada, entre ser e não-ser. Essa ‘superação’ pode apenas se dar, de acordo com Nishitani, sob o prisma do vazio (SCHUBACK apud IMAGUIRE et.al. , 2007, p.83).
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Nesta senda, Nishitani propõe uma síntese entre o ser e o não-ser que ocorre “sob o prisma do vazio”, dando azo à possibilidade de se determinar este vazio entre ser ou nada.
Apesar de Aristóteles ter estabelecido em sua “Física” a compreensão de vazio como “horror ao nada”, em Heidegger  este vazio é possibilidade manifestação do ser, almejando a finalidade da fenomenologia, ou seja, “as coisas, elas mesmas”. Assim, o vazio do nada é a clareira onde a manifestação do ser pode se dar no jogo velador e desvelador, conforme o movimento do devir do ser. Esta manifestação do ser acontece na linguagem que imbrica poesia e pensamento.
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A linguagem é a casa do ser. Nesta habitação do ser mora o homem. Os pensadores e os poetas são os guardas desta habitação. A guarda que exercem é o consumar a manifestação do ser, na medida em que a levam à linguagem e nela a conservam (HEIDEGGER, 1998, p.31).
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È a linguagem do pensamento que tendo se afastado e olvidado o ser, em Heidegger retorna à poesia, segundo o modelo dos perifísios dos primeiros pensadores, que buscaram o princípio do Kósmos na natureza; destes pensadores pioneiros, Heidegger adota o pensamento de Heráclito de Éfeso (cerca de 540-470 a.C.), no seu princípio do devir, representado pelo fogo. “Este mundo [Kósmos], o mesmo de todos os(seres), nenhum deus, nenhum homem o fez, mas era, é e será um fogo sempre vivo, acendendo-se e apagando-se em medidas” (HERÁCLITO, 1999, p.90). Condizente com a linguagem poética unida ao pensamento, essa que dá azo à possibilidade de determinar-se nas fronteiras das passagens de ser ao não-ser e, deste ao ser.
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REFERÊNCIAS
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HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. 5. Ed. Lisboa: Gimarães Editores, 1998.
___________. Conferências e escritos filosóficos. In: Os pensadores. V. 45. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
HERÁCLITO DE ÉFESO. In: Os pensadores: os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p.81-116.
MOLINARO, Aniceto. Metafísica: curso sistemático. São Paulo: Paulus, 2002.
SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. O vazio do nada: Heidegger e a questão da superação da metafísica. In: IMAGUIRE, Guido et.al. Metafísica contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 81-99.

Heidegger – A arte afirmativa

Heidegger

 Camilo Lelis Jota Pereira e-mail: camilofilosofia@yahoo.com

A arte afirmativa em Martin Heidegger

A tese central da estética proposta por Heidegger em “A origem da obra de arte” é claramente comprometida com a questão ontológica, isto é, sua argumentação procura demonstrar que a arte revela, de um modo particular, a verdade do ser. Com isto neste artigo pretendemos demonstrar que a estética de Heidegger, lida por uma via valorativa, confirma a abertura de perspectivas pluralistas para a compreensão da vida e um “novo infinito” para o mundo, anunciados na obra de Nietzsche.

O que é este remanejamento do questionamento estético para o campo ontológico? O que, este remanejamento, muda em relação à compreensão tradicionalista? Para procurar responder a estes questionamentos, voltemos o olhar para a análise realizada por Heidegger no livro citado.

O livro subdivide-se em A coisa e a obra, a obra e a verdade, a verdade e a arte e como ressalta Moosburger “Os títulos indicam o primado da pergunta pela verdade – verdade que, (…), é pensada no sentido de não encobrimento ou não-velamento (unverborgenheit).” Este direcionamento à pergunta sobre a verdade demonstra a dimensão ontológica da investigação heideggeriana no campo estético, proporcionando à filosofia voltar seu olhar para estudar a obra de arte no que, segundo Heidegger, realmente ela é.

A arte esta na origem, transcende o homem, por isto é ontológica, este é o direcionamento da reflexão de Heidegger, em vista a demonstrá-la efetua-se uma análise da obra de arte; a análise da obra permite a Heidegger caminhar por raciocínios que levam a conceitos que reconfiguram a maneira de entender a arte e já na primeira parte do livro, uma forma que foge ao pensamento lógico é colocada, o filósofo demonstra a circularidade que circunscreve a discussão artística:

Segundo a compreensão normal, a obra surge a partir e através da atividade do artista. Mas por meio e a partir de que é que o artista é o que é? Através da obra; pois é pela obra que se conhece o artista , ou seja: a obra é que primeiro faz aparecer o artista como mestre da arte. O artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. (HEIDEGGER, 1997) O que realmente a obra de arte é? Para descobrir o que a obra de arte é, Heidegger percorre a história da filosofa ocidental e demonstra que a caracterização comumente usada da arte sugere que esta, é um objeto, impreterivelmente, relacionada ao sujeito. A prevalência desta caracterização da obra de arte conduz a um estado limitante da possibilidade da arte, pois para o pensamento do filósofo alemão a arte estaria em outro patamar, como um lugar privilegiado para que ocorra a verdade, sua dimensão não seria restrita à do conhecimento humano.

Mas como pode a arte estar limitando-se? Para entendermos esta limitação, vamos abordar como que Heidegger define a estética moderna.

A estética tradicional trabalha dentro da perspectiva subjetivista, que tem em Kant seu maior expoente, por isto iremos lançar mão da interpretação do pensamento deste filósofo com vista a clarificar a posição de Heidegger.

A inversão copernicana, promovida por Kant, confere ao sujeito transcendental status de agente idealizador da realidade, promove o eu como medida de tudo, a realidade é compreendida em referência ao aparelho cognoscitivo, isto é, o sujeito impõe estruturas cognitivas prévias sobre o objeto, sendo assim, a verdade – pensada como adequação – pode ser fundamentada na autoconsciência deste sujeito, pois este não pode acessar a coisa em si, sua ação esta direcionada aos fenômenos, que respeitam as regras prévias dos juízos subjetivos.

Dentro desta posição subjetivista, a estética transfere para o homem o centro da manifestação artística, o estudo acerca da arte é transferido para a interpretação do estado sentimental do homem em relação ao belo, este entendido como produção intelectiva do sujeito criador e contemplador. Esta visão da arte é compreendida como redutora da manifestação do novo, a abertura do mundo que encontra no artístico um lugar propicio para acontecer é restringido à lógica – demasiadamente humana.

Esta posição antropocêntrica em relação à obra de arte é atacada por Heidegger, pois tratando a obra como um objeto que supõe a existência de um sujeito, o jogo desta compreensão de mundo delimita de tal maneira a estética, que direciona sua ação apenas ao sujeito, o começo e o fim da arte relaciona-se ao homem. Com vista a reestruturar esta via de reflexão sobre a arte, é proposto o direcionamento da investigação para o que é uma obra de arte.

Na primeira parte do livro surge diante da reflexão realizada, uma característica da obra de arte: seu caráter de coisa; concernente a esta definição a pergunta: como a obra pode ser considerada uma coisa? Esta pergunta é respondida através da análise acerca de como que a obra é o que é e como é. No desenrolar desta análise, Heidegger demonstra que a obra de arte esta aí no meio de nós de forma não muito diferente das outras coisas que compõe nosso ambiente.

O quadro está pendurado na parede, como a arma de caça, ou um chapéu. Um quadro como, por exemplo, o de van Gogh, que representa um par de sapatos de camponês, vagueia de exposição em exposição. Enviam-se obras como o carvão de Ruhr, os troncos de árvore da Floresta Negra. (…) Os quartetos de Beethoven estão nos armazéns das casas editoriais, tal como batatas na cave. (HEIDEGGER, A origem da obra de arte, 1977) Diante deste caráter coisal da obra de arte, o pensamento tradicional – metafísico – trabalha de maneira dicotômica, produz um ajunte que separa matéria e forma às perspectivas que caracterizam as coisas; para Heidegger a arte não pode estar situada nesta redução proporcionada pela metafísica, a inseparabilidade entre matéria e forma implica uma nova compreensão da arte e das coisas.

Como já vimos acima, a concepção da estética tradicional produz esta definição pelo desdobrar da posição subjetivista para a compreensão da arte, pois, segundo Kant, os fenômenos são apresentados de maneira dividida em forma e matéria; dentro desta linha a estética kantiana pressupõe que existi uma matéria – uma coisa material – que recebe uma intervenção, de caráter intelectual, que produz a forma nesta simples matéria – a criação artística.

A obra seria uma coisa que remete a algo de outro. A matéria – que esta contida na obra de arte – sendo dotada de sentido só após a intervenção “artística” do homem, permite interpretações que usem, para definir a obra, conceitos que falam da intervenção humana como processo de cópia ou expressão histórica; a obra seria um símbolo, “se a obra é símbolo, ela é um ente de duplo caráter: uma coisa produzida e cindida em estrutura coisal e superestrutura artística.” (Moosburger, 2008)

Mas esta definição, proveniente da incorporação do modo de pensar metafísico, é atacada por Heidegger como a posição com a qual se tenta trazer para o domínio do prazer humano os objetos do mundo através da relação sujeito-objeto, escondendo a natureza da obra de arte, por conseguinte, fazendo que a arte desapareça.

A opção por descrever a arte através de uma via metafísica, acarreta em limitar a arte ao deleite humano, o que para Heidegger foge completamente a verdadeira essência da arte; assim a estética ontológica de Heidegger procura demonstrar, através de uma via não metafísica, que a arte pode ser compreendida distintamente do domínio da estética.

Aqui deparamos com um ponto convergente, o deslocamento do entendimento da obra de arte para o campo ontológico esclarece que a arte não pode ficar vinculada apenas ao processo de subjetivação da realidade, pois esta maneira metafísica de entendimento sugere uma postura, que tem por detrás, uma moral relativa a uma determinada compreensão de mundo.

Faremos um paralelo com a obra de Nietzsche, porque acreditamos que com este instrumento possamos compreender melhor o que esta por trás desta postura moral que a investigação heideggeriana sobre a obra de arte nos colocou como evidente.

Nietzsche faz um resgate da meditação sobre o sentido e o valor da existência, através da análise da manifestação cultural, “os festivais trágicos”, de um povo – o grego – que mantinha uma postura apreciativa da existência na sua multiplicidade e com isto aventa a disposição em favor de contemplar a vida em todos os aspectos. A boa disposição com o mundo, encontrada na leitura que Nietzsche faz da cultura grega pré-filosófica, sofreu um processo de decadência junto ao surgimento da filosofia idealista que tem como ícone Platão e Sócrates, cabe ressaltar aqui, que também Heidegger vai procurar resgatar o modo de pensar o mundo que existiria antes de Sócrates.

A decadência da boa disposição com a existência, que começa com o pensamento do filósofo Sócrates onde “conhecer é o caminho para o agir perfeito”, é acusada por Nietzsche em seu livro de estréia, a saber, “o nascimento da tragédia”, emerge junto à problemática da teorização racional do saber, o sujeito capaz de enxergar a “verdade” procura fundamentar a sua vida na descoberta da essência fundamental da realidade.

No campo da arte temos o “socratismo estético”. A arte agora se enquadra em aspirações do conhecimento, a possibilidade de criar novas interpretações sobre a vida e de ter prazeres inesperados é atacada por uma filosofia que privilegia espíritos do estável em detrimento das novas sensações. Com o aparecimento da consciência filosófica a busca, pela via da teoria, a aprender viver melhor, limita o homem a lançarem-se ao desconhecido, assim como na vida, na arte, de acordo com a “estética inovadora” de Heidegger as “coisas” estão aí sendo compreendidas pelo ponto de vista do deleite humano.

O otimismo teórico e, ou, “socratismo estético”, depende da duplicação metafísica da realidade, pois, só funciona fundamentada em uma dicotomia moral absoluta. Aqui entendemos como o inicio do processo de subjetivação, que passa por Descartes – onde é levantado o problema gnosiológico – até chegar a Kant, que configura através das doze categorias a perspectiva única e universal de compreensão do mundo, teve sua origem, segundo Nietzsche, em uma posição de envergadura moral em relação à vida.

Esta consciência tipicamente metafísica opera de forma a busca, em meio à multiplicidade, aquilo que é invariável, para tanto aplica, um esquema de leitura que reduz as possibilidades de abertura do mundo à compreensão racional da atividade criadora humana, em vista disto, podemos ter com Heidegger uma forma mais dignificante de expansão das possibilidades humanas através da arte.

Heidegger apresenta o quadro de Van Gogh, onde esta retratada um par de sapatos de um camponês, este quadro de um instrumento, na verdade resgata a matéria que foi consumida na instrumentabilidade e manifesta o mundo do camponês, feito de trabalho e esperança. O mero instrumento em seu uso, em sua faculdade de servir, esconde o seu ser. O par de sapatos não foi adequado à realidade através da pintura, mas desvelado o seu mundo. À reflexão acerca da arte, Heidegger introduz novas características: a apresentação do mundo e a revelação da terra.

A criação artística do homem é um processo complexo, o homem que se coloca a fabricar seu mundo não pode negar a terra, assim a obra de arte não se compõe de matéria à qual se acrescenta um valor estético, a arte se manifesta no domínio aberto por ela mesma.

Partimos do questionamento sobre o que seria a proposta de deslocamento da reflexão sobre a arte para o campo ontológico, apresentado o caráter moral da opção pela postura subjetivista que reduz as possibilidades de compreender o mundo, adentraremos na mudança da investigação artística e suas concepções afirmativas.

O conceito de mundo apresentado por Heidegger, não se refere ao conjunto de coisas que nos cercam, aos objetos dados, mas deve ser entendido como aquilo que de concreto, dá sentido às manifestações humanas. Neste sentido a obra de arte abriga todo o relacionamento de um povo com sua cultura, seus anseios e celebrações, ou seja, a obra de arte apresenta, pois, um mundo.

Por outro lado, a obra de arte é sempre aquilo de que é feita, a “mão” do homem utiliza a matéria que encontra aí na terra e fabrica algo que relaciona e faz sentido ao seu mundo. Este fabricar algo significa, segundo Heidegger, revelar o que estava oculto, trazer para o sensível o que estava no mais profundo da realidade do material.

A superação da estética tradicional, traz para a reflexão de Heidegger uma experiência originária: a arte sendo origem é entendida como acontecimento. A arte como acontecimento remete à abertura de mundo pela obra de arte, a matéria é envolvida pelo artista, desvelando um mundo que está se pondo em obra através da obra.

O artista e a obra ocorrem ao mesmo momento, não esta em jogo a causa e a razão da arte, mas a arte em processo de des-ocultação da verdade do ser:

Aonde a obra se recolhe e o deixa vir à luz a nesse recolher-se, a isso chamamos terra. Ela é a acolhente que vêm-a-frente. A terra é a incansável e sem esforço impelida para nada. Sobre a terra e nela o homem historial funda sua morada no mundo. Na medida em que a obra instala um mundo, elabora a terra. O elaborador é aqui para ser pensado no sentido estrito da palavra. A obra faz a própria terra voltar-se para o aberto do mundo e nele mantém. A obra deixa a terra ser uma terra (Der ursprung des kunstwerkes. 2003; in: Moosburger, 2008)

Através do combate entre terra e mundo, a arte possibilita o desvelamento daquilo que se esconde, segundo Heidegger, não há esperanças de um acordo sobre este combate: “ele deve permanecer como combate para dar unidade e autonomia à obra de arte”, terra e mundo apesar e por causa de sua diferença essencial, mantêm uma dependência recíproca.

A manifestação artística não é compreendida em sua relação com os sentimentos humanos, a perspectiva agora coloca a obra e o artista dentro do mesmo “barco” em relação à arte. A essência da criação é determinada, segundo Heidegger, pela des-oucultação da verdade, não esta mais restrita ao processo estético.

Esta desumanização da arte nos permite aludir à pluralidade de perspectivas que nos fala Nietzsche, pois, o sujeito foi deslocado da posição que permitia ao homem se impor pelo julgo estético acerca do mundo, a verdade encontra-se em um processo em aberto como nos fala a obra de arte.

Então, daí a possibilidade de um novo infinito para o mundo junto aos diversos focos humanos individuais que se depara com a abertura ao desconhecido, encantam-se novamente com os des-velamentos do ser e novas maneiras de “colorir o mundo”.

Entender a obra de arte como abertura de mundo, remete a uma postura afirmativa em relação à existência, Heidegger coloca a arte em uma posição muito além de ideologias ou posturas morais que possam descrever o mundo e, conseqüentemente, a obra de arte.

Antes de tudo ela ensinou, através de milênios, a olhar com interesse e prazer para a vida em todas suas formas e a levar nossa sensação tão longe que finalmente exclamamos: ‘Seja como for, a vida, é boa!’ esse ensinamento da arte, que consiste em encontrar prazer na existência e considerar a vida humana como quem considera um pedaço de natureza, sem se empolgar demais, vendo-a como um objeto de um desenvolvimento conforme a leis. (NIETZSCHE, 1978)

Bibliografia :

MOOSBURGER, Laura de Borba. Mundo, terra e “não-encobrimento” em A origem da obra de arte, IN: Revista Artefilosofia; Tessitura, Belo Horizonte, 2008.

HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, Lisboa: Edições 70, 2004. NIETZSCHE, Obras incompletas / Friedrich Nietzsche ; seleção de textos de Gerard Lebrun ; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo : Abril Cultural, 1974

A Relação existente entre o Nada e Angústia, segundo Sarte

Retirado do site: http://www.consciencia.org/a-relacao-existente-entre-o-nada-e-angustia-segundo-jean-paul-sartre

A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O NADA E ANGÚSTIA, SEGUNDO JEAN PAUL SARTRE.

Autora: Maria Regina Ponte da Silva[1]

Este artigo faz parte de um dos capítulos da dissertação do mestrado Acadêmico em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará apresentado para obtenção do título de mestre em Filosofia.

Universidade Estadual do Ceará -Centro de Humanidades – Departamento de Filosofia

Orientador: Prof. Dr. Regenaldo da Costa

RESUMO

Nos momentos de crise existencial o homem pára, percebe que existe algo errado e passa a questionar suas limitações, consequentemente, ele é tomado pela consciência do Nada. O sentimento de angústia reporta a realidade de um ser inacabado, autor de sua vida, embora seja incapaz de construí-la com perfeição. O Nada é o oposto da plenitude do Ser, farol que indica a distância entre onde nos encontramos e onde gostaríamos de estar. Desta forma, a consciência aponta e define o homem como Nada em relação aos seus projetos e seu futuro, reclama insatisfação com o presente que vive e aspira o futuro que não tem, definindo-se e situando-se simplesmente como Nada que é e como Ser que gostaria de ser, mas ainda não é.

PALAVRAS-CHAVE: , angústia, medo, nada, liberdade, ser, ontologia.

ABSTRACT.

At the moments of existencial crisis the man stops, perceives that exists something wrong and he starts to question his limitations. At this moment, he is taken by the conscience of the Nothing. The anguish feeling reports the reality of an imcomplete Being, author of his life, either even so incapable to construct it with perfection. The Nothing is the opposite of the fullness of the Being, lighthouse that it indicates in the distance between where he is and where he would like to be. In such a way, the conscience points and defines the man as Nothing in relation to his projects and his future, complains unsatisfied with the present that lives and inhales the future that does not have, defining himself and placing himself simply as Nothing that is and as Being that it would like to be, but not yet is.

A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O NADA E ANGÚSTIA, SEGUNDO JEAN PAUL SARTRE.

O Nada na fenomenologia situa-se como dimensão referencial da situação de incompletude humana. É a fuga do Nada, do vazio que me impulsiona a fugir dele, que me projeta para a construção de atitudes no eterno movimento transcendente. Quando o homem aciona sua consciência interrogante esta se depara com o Nada, como pressuposto de seu projeto de ser. Se o homem é um ser limitado, se ele não encontra o seu porto seguro, isso se deve ao fato dele ser o oposto da plenitude do ser, se quiser sabermos quem é o homem, basta verificar esse ser que não o-é.

O ser não é recebido de fora, não se conserva por inércia, mas constrói-se a cada dia. Em verdade, Sartre pretende dissociar o discurso ideológico, funcional e interveniente nos planos da cultura contemporânea, para fundamentar a ontologia, desenvolvendo uma verdadeira “ontologia fenomenológica”. Para descrever esse arsenal teórico, nosso filósofo escreveu dentre outras obras o ensaio O Ser e o Nada. O foco principal desta obra é a questão do ser que reclama a constante transcendência em forma de consciência desejante e intencional (Para-si) ou seja, o homem enquanto se faz carência de ser um ser completo e satisfeito (Em-si).

O desvelamento do Nada encontra-se na intencionalidade da consciência, ela quer ser consciência de algo, e não consciência de nada. É por isso que a consciência pergunta e avalia. A atitude interrogativa da consciência coincide, de início, com o comportamento voltado para o não ser. Esse não ser traz o Nada através de processos interrogativos e negativos, já que o nada deriva da negação do ser. Conforme Sartre:

“Mas essa negação, vista de mais perto, remeteu-nos ao Nada como sua origem e fundamento: para que haja negação no mundo e, por conseguinte, possamos interrogar sobre o Ser, é necessário que o Nada se dê de alguma maneira[2].”

não ser é a distância que define o conceito do Nada. O homem é, primeiramente, o Nada sentido por sua consciência, através da atitude interrogativa. Em seguida, a consciência reage intencionalmente em busca de ser o que ainda não é, realizando o movimento transcendental. Desta forma, a consciência se exterioriza em direção ao mundo. Ou seja, o Nada consiste no primeiro passo da identificação do homem que o direciona a fazer-se ao invés de ser. Onde a consciência começa, localiza-se o território do Nada, enquanto o homem não é, ou procura ser o que não é, na construção de sua própria essência. Com efeito, a existência precede a essência. Primeiro o homem existe como nada, posteriormente constrói passo a passo o esboço de sua vida, definindo a sua essência. Diferente da dimensão de vazio psicológico ou grau zero, essa fissura que é o Nada aparece como um ser que se dirige para frente, com um olhar investigador em direção ao futuro e concebe-se ontologicamente precedido pelo ser, porque ele não pode ser concebido fora do ser, mas está contido no mais íntimo do ser. “O nada não pode nadificar-se a não ser sobre o fundo de ser: se o Nada pode existir, não é antes ou depois do ser, nem de modo geral, fora do ser, mas no bojo do ser, em seu coração, como um verme”[3]. É por isso que a consciência pode determinar onde começa e onde termina a coisa de que ela é consciente.

Onde está o nada? Quem o faz surgir? Se o homem afeta-se a si mesmo de não-ser e é capaz de interrogar sobre o ser, isso é, pois, por definição, um processo humano. “Logo, o homem apresenta-se, ao menos neste caso, como um ser que faz surgir o Nada no mundo, na medida em que, com esse fim, afeta-se a si mesmo de não-ser.”[4]

Utilizando-se de conceitos abstratos, circunscreve-se o seguinte questionamento: o Nada é uma estrutura do real ou trata-se de uma recolocação metafísca?[5] Ele não é metafísico e sim subjetivo. A descrição das condutas humanas em Sartre revela o aparecimento do não ser, na sua origem e negação.

Sartre mostra como o juízo “Pedro não está aí” se assenta sobre a intuição do Nada, pois ele está ausente. Na ação de procurá-lo nadifico todo o resto como fundo ou como realidade percebida que não é Pedro, assim como a observar sua ausência nadifico a imagem de Pedro. Eis o não ser no mundo: a ausência como um “evento real”, e o negativo poderá se deduzir em toda a conduta humana.

Por isso, Sartre avalia a relação existente entre a ausência de alguém e o Nada.[6] Primeiramente, é preciso entender que a presença confere uma espécie de conexão entre as realidades humanas e é o fundamental pressuposto do caráter de ausência. Portanto, ausência é a necessidade da presença. “Estar ausente, para Pedro em relação a Tereza, é um modo particular de estar-lhe presente”[7]. Isso demonstra que o ser não está localizado em relação às distâncias longitudinais ou latitudinais, mas em qualquer movimento que eu faça sempre estarei delimitando minhas distâncias em relação ao outro-objeto. O outro sempre estará presente, declarando minha contingência objetal[8]. O que acontece quando a consciência capta a ausência? Posso sentir o outro através de minha consciência sem que, com efeito, ele esteja presente em forma de existência corpórea. Continuar lendo

A angústia, o nada e a morte em Heidegger

Retirado do site: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-31732003000100004&script=sci_arttext

A angústia, o nada e a morte em Heidegger

Anguish, nothingness and death in Heidegger

Marco Aurélio Werle1


RESUMO

O artigo investiga a relação entre os conceitos de medo, angústia, nada e morte na filosofia da existência de Heidegger. Pretende-se apontar para o papel destes fenômenos existenciais na passagem do ser-aí desde a inautenticidade para a autenticidade de seu ser.

Palavras-chave: Heidegger; existencialismo; filosofia; ética.


ABSTRACT

This paper investigates the relationship between the concepts of fear, anguish, nothingness and death in Heidegger’s philosophy of existence. It points to the role of these existential phenomena in the transformation of “Dasein”, from the inauthenticity to the authenticity of its Being.

Keywords: Heidegger; existentialism; philosophy; ethics.


Neste artigo pretende-se examinar os conceitos de angústia, de nada e de morte na analítica da existência de Heidegger, na medida em que estes três conceitos ocupam um papel estratégico na proposta de Heidegger, emSer e tempo, de novamente colocar a questão do sentido do ser, sob o fundo do esquecimento do ser provocado por toda a metafísica ocidental. Para tanto, o desenvolvimento do artigo segue o seguinte caminho: 1) inicialmente pretende-se comentar a proposta de Heidegger de uma filosofia da existência, ressaltando seus principais momentos, para, a seguir, 2) situar, no interior da analítica da existência, os temas da angústia, do nada e da morte.

Quando se pretende examinar a filosofia de Heidegger como filosofia da existência, o que significa tratar da primeira filosofia de Heidegger, exposta principalmente em Ser e tempo, do ano de 1927, logo nos defrontamos com um problema, pois o filósofo negou em vários momentos que sua preocupação exclusiva fosse a existência. Na Carta sobre o humanismo, de 1947, ao se referir ao enunciado de Sartre de que a existência precede a essência, Heidegger afirma: “O enunciado principal do  existencialismo’ não tem nada em comum com aquele enunciado de Ser e tempo” (1996, p.329). Nesta carta Heidegger inclusive critica o humanismo, também identificado por Sartre como extensão conceitual do existencialismo, e afirma que a essência humana tem de ser pensada para além de uma definição enfática de homem, por ex., como animal racional, já que o que distingue o homem é a sua relação com o ser e o modo como ele resguarda o ser, e não na medida em que é definido como um ser dotado de razão. A partir disso, Heidegger irá dizer neste texto de 1947 que o homem é o pastor do ser e que a linguagem é a casa do ser. Certamente Heidegger havia dito em Ser e tempo que a essência é a existência (1989a, §9), mas com isso ele não pretendia estabelecer uma filosofia da existência enquanto existencialismo, e sim seu tema era a verdade ou o sentido do ser que, embora deva ser inicialmente posto em questão no âmbito da existência humana, a transcende na direção da história do pensamento filosófico ocidental como um todo2 . A primeira questão, portanto, que temos de abordar na filosofia da existência de Heidegger refere-se à sua especificidade de pensar a existência indo além da existência.

O problema fundamental da filosofia de Heidegger como um todo não é a existência, mas a questão do Ser, que ele certamente desenvolve em sua obra principal Ser e tempo no horizonte da existência, mas em seu pensamento posterior aborda no campo de uma certa filosofia da história e de uma reflexão aliada à poesia. O ponto de partida de Heidegger, ou o que coloca o problema do ser, é o esquecimento do ser, que o filósofo diagnostica em toda a tradição filosófica ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche. Desde os gregos o pensamento não teria distinguido adequadamente a diferença entre ente e ser, entre o que existe simplesmente como uma coisa e entre o que é enquanto ser. Em outras palavras, trata-se aqui da confusão entre o ôntico (relativo ao ente) e o ontológico (relativo ao ser), que perfaz a diferença ontológica. Investigar o ser do ente não é a mesma coisa do que investigar a maneira como no ente se manifesta o ser, que neste caso é o ser enquanto tal. É certo que o ser só se dá no ente, mas isso não significa que pode ser reduzido ao ser do ente. O tema do ser, com o qual começou o pensamento ocidental com os pré-socráticos, portanto, tem de ser novamente levantado a partir de uma ontologia fundamental, e isto tomando como fio condutor o único ente que tem a possibilidade de questionar o ser, que é o homem. Pois o homem é dentre todos os entes o único que compreende o ser, o sentido do fato de que ele é, de que existe.

Desse modo, logo no começo de Ser e tempo, Heidegger afirma que a questão do ser não se coloca senão ao ente privilegiado que é capaz de questionar o ser, que possui uma compreensão do ser [Seinsverständnis]. Este ente é o homem, que Heidegger chama de “ser-aí” [Dasein], o homem enquanto um ente que existe imediatamente em um mundo (1989a, §4). Por meio do termo Dasein, que define o ponto de partida da analítica existencial, Heidegger pretende ultrapassar a separação entre sujeito e objeto, que ele considera uma herança prejudicial da filosofia moderna na compreensão do que seja o homem. Dasein é o homem na medida em que existe na existência cotidiana, do dia-a-dia, junto com os outros homens e em seus afazeres e preocupações. Para investigar o Dasein enquanto possui sempre uma compreensão de ser impõe-se uma analítica existencial, que tem como tarefa explorar a conexão das estruturas que definem a existência do Dasein, a saber, os existenciais. O método da analítica existencial é buscado tanto na fenomenologia quanto na hermenêutica, de modo que se designa de método fenomenológico-hermenêutico (idem, §7): parte-se da própria manifestação do Dasein ele mesmo em sua existência que, por sua vez, tem de ser interpretada de dentro para fora em suas principais estruturas ontológicas que a definem e que permitem a colocação da questão do ser. Dito em outras palavras, a questão do ser do Dasein é investigada tanto segundo a máxima da fenomenologia, do “ir às coisas elas mesmas” [zu den Sachen selbst], quanto com a máxima da “interpretação no horizonte da compreensão”, proposta pela hermenêutica.

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Vladimir Safatle – 30 aulas – ‘Fenomenologia do Espirito’, de Hegel

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Vladimir Safatle – Aula 30/30 – ‘Fenomenologia do Espirito’, de Hegel

Curso Hegel

Aula 30 [Final]

 

 

Na aula de hoje, terminaremos subseção: “O espírito alienado de si: a cultura”. Isto nos permitirá, na aula que vem, terminar o curso através de um comentário das questões centrais que aparecem na última subseção da seção “Espírito”: esta intitulada “O espírito certo de si: a moralidade”. Tais questões nos permitirão compreender elaborações centrais apresentadas por Hegel na seção final Fenomenologia do Espírito: esta intitulada “O Saber Absoluto”.

            Vimos, na aula passada, como Hegel se via obrigado a compreender as consequências deste processo de auto-dissolução do mundo da cultura através da ironização que foi objeto de nosso comentário há duas aulas atrás. Desta ironização absoluta das condutas, Hegel procurava nos demonstrar que seguiam dois desdobramentos possíveis, duas posições no que diz respeito a recuperação de princípios de valoração e formação capazes de dar conta da perda de fundamento para o Eu no interior de modos de socialização na aurora da modernidade: o emotivismo da recuperação moderna da fé (Glauben) e a pura intelecção do esclarecimento. Contra a ausência de fundamento de um processo de formação vinculado à cultura, a consciência pode procurar afastar-se do mundo através do puro pensar.

Hegel lembra que estes dois movimentos da essência irão aparecer de maneira separada, embora tenham a mesma fonte. A pura intelecção é esta essência interior satisfeita em uma quietude passiva. Como ela nasce de um afastamento do mundo da cultura, de início ela não tem conteúdo em si mesma, seu objeto é o puro Eu enquanto fonte do conceituar, isto no sentido de que o objeto só terá verdade para ela na medida em que tiver a forma do Eu (tal como vimos no caso da análise hegeliana das categorias). Lembremos aqui novamente deste postulado idealista central: a estrutura do objeto deve duplicar a estrutura do Eu.

            Já a fé irá aparecer também como pura consciência, mas que tem por objeto a essência que adquire, inicialmente, a figura degradada da representação de um ser objetivo, de um Outro além da consciência-de-si (Deus). Por isto, ela é negação do mundo através de um serviço em nome de Deus. No entanto, Hegel lembra que: “ a articulação do mundo real também constitui a organização do mundo da fé”[1], isto no sentido de que o movimento fenomenológico de auto-dissolução das determinidades duplica a estrutura do mundo teológico. Maneira de insistir que esta negação do mundo apenas irá perpetuá-lo pois é feita a partir dele mesmo.

Vimos como, na Fenomenologia, Hegel organiza sua reflexão sobre o iluminismo e suas expectativas de racionalização a partir de uma confrontação com a fé que, em vários pontos, apresenta-se como uma retomada do conflito, próprio à polis grega, entre um princípio humano e um princípio divino de conduta socialização. Continuar lendo

Vladimir Safatle – Aula 29/30 – ‘Fenomenologia do Espirito’, de Hegel

Curso Hegel

Aula 29

 

Na aula de hoje, daremos continuidade ao comentário da subseção “O Espírito alienado de Si: a cultura”, terminando a primeira parte da subseção, esta intitulada “O mundo do Espírito alienado de si” e dando conta da segunda parte: “O iluminismo”. Para a aula que vem, ficará o comentário da última parte, esta dedicada à reflexão fenomenológica sobre a Revolução Francesa, “A liberdade absoluta e o terror”, assim como o comentário da primeira parte da última subseção da seção “Espírito”, esta intitulada “O Espírito certo de Si: a moralidade”. Parte esta onde Hegel procura dar conta do que ele denomina de “Visão moral do mundo” no interior do idealismo alemão. Desta forma, terminaremos este curso comentando as figuras da consciência-de-si que finalizam a seção “Espírito”, como a Gewissen, a bela alma e o confronto entre má consciência e consciência do dever, isto a fim de mostrar como as questões postas neste momento da Fenomenologia nos levarão diretamente à tematização correta do que Hegel entende por Saber Absoluto.

            Nós vimos, desde o início do comentário da seção “Espírito” como Hegel procura constituir um trajeto de formação histórica da consciência que só ganha inteligibilidade se o compreendermos como o desdobramento histórico dos modos com que sujeitos se inserem e absorvem regimes de racionalidade encarnados em instituições e práticas sociais, constituindo sistemas de expectativas e regimes de ação orientada por “razões para agir”. Partimos da ruptura das expectativas depositadas na eticidade da polis grega devido à confrontação entre dois princípios que se transformam em antagônicos no interior da polis: a lei humana da comunidade e a lei divina da família. Vimos como expectativas universalizantes de reconhecimento depositadas, de maneira imperfeita, na lei divina nos levaram ao reconhecimento do universal abstrato da pessoa no estado romano de direito. Modo de reconhecimento que, por sua vez, permitiu o advento de uma experiência da interioridade que será fundamental para a constituição do princípio moderno de subjetividade.

Era através desta experiência de distanciamento do mundo resultante da posição da interioridade como espaço privilegiado para a singularidade da subjetividade que entramos na segunda subseção intitulada, não por outra razão: “O espírito alienado de si: a cultura”. “O mundo tem aqui a determinação de ser algo exterior (Äusserliches), o negativo da consciência-de-si”, dizia Hegel a fim de dar conta do teor de toda esta subseção que visa cobrir este período histórico que vai da Alta Idade Média até os desdobramentos da Revolução Francesa. Teor marcado pelo esforço da consciência em se reconciliar com o mundo, nem que seja às custas de uma reconstrução, de uma formação revolucionária do mundo social e das práticas de interação social, impulso este de formação dependente de uma reflexão filosófica de larga escala sobre a essência e seus modos de relação com a subjetividade.

Vimos como Hegel iniciava lembrando que se formar implica em “acordar-se (gemäss gemacht) com a efetividade”, com a substância, ou ainda, com um padrão de conduta que tenha valor de espécie (Art) e que permita operações valorativas que viabilizem a indicação de algo como um bem ou um mal. Tais operações valorativas aparecem, no interior de práticas sociais, como ação feita em conformidade com dois princípios distintos: um é o poder do Estado ou outro é a riqueza (Reichtum). De fato, Hegel opera tal distinção entre poder de Estado e riqueza porque tem em vista a maneira com que a conduta ética aristocrática, vinculada ao sacrifício de Si pela honra dos princípios reais, apareceu, em solo europeu, como princípio virtuoso de formação em contraposição ao vínculo burguês à acumulação de riqueza e propriedade. Hegel então procurava analisar se a ética aristocrática da honra podia, através de sua ação, realizar seu próprio conceito. Ética que se via como “heroísmo do serviço”, ou seja, como a pessoa que renuncia à posse e ao gozo de si mesma em prol da efetivação do poder ao qual se sacrifica.

No entanto, partindo desta noção já apresentada na seção “raz Continuar lendo

Vladimir Safatle – Aula 28/30 – ‘Fenomenologia do Espirito’, de Hegel

Curso Hegel

Aula 28

 

Na aula passada, acompanhamos este trajeto de formação histórica da consciência que Hegel procura descrever na seção Espírito. Vimos como tal trajeto só ganha inteligibilidade se o compreendermos como o desdobramento histórico dos modos com que sujeitos se inserem e absorvem regimes de racionalidade encarnados em instituições e práticas sociais, constituindo sistemas de expectativas e regimes de ação orientada por “razões para agir”. A partir da ruptura das expectativas depositadas na eticidade da polis grega e do advento da experiência de interioridade resultante do reconhecimento abstrato da pessoa no estado romano de direito, adentramos nesta parte principal da nossa seção, parte intitulada: “O espírito alienado de si: a cultura”.

Esta segunda parte da seção Espírito é a mais extensa de todas e tenta cobrir um longo período histórico que vai da Alta Idade Média até os desdobramentos da Revolução Francesa. Hegel descreve este período nos seguintes termos:

O mundo tem aqui a determinação de ser algo exterior (Äusserliches), o negativo da consciência-de-si. Contudo, esse mundo é a essência espiritual, é em si a compenetração do ser e da individualidade. Seu Dasein é a obra da consciência-de-si, mas é igualmente uma efetividade imediatamente presente e estranha a ele; tem um ser peculiar e a consciência-de-si ali não se reconhece.[1]

            Ou seja, a consciência não reconhece mais a efetividade exterior do mundo como seu próprio trabalho, como sua própria substância (tal como ocorria nas relações iniciais de eticidade). Haverá um longo caminho de reconciliação com um mundo contra o qual a consciência não cessará de lutar. No entanto, tal reconciliação só será possível quando a consciência for capaz de internalizar o mundo como o negativo de si mesma, encontrar, em si mesma, aquilo que a nega. Vimos tal movimento em operação em outros momentos da Fenomenologia. Ele foi a nossa maneira de ler o imperativo idealista de duplicação entre a estrutura do objeto e a estrutura do Eu. Nossa tarefa ficou sendo a de compreender como isto se dará no interior de um movimento historicamente determinado de formação.

Hegel inicia lembrando que se formar implica em “acordar-se (gemäss gemacht) com a efetividade”, com a substância, ou ainda, com um padrão de conduta que tenha valor de espécie (Art) e que permita operações valorativas que viabilizem a indicação de algo como um bem ou um mal. Tais operações valorativas aparecem, no interior de práticas sociais, como ação feita em conformidade com dois princípios distintos: um é o poder do Estado ou outro é a riqueza (Reichtum). De fato, Hegel opera tal distinção entre poder de Estado e riqueza porque tem em vista a maneira com que a conduta ética aristocrática, vinculada ao sacrifício de Si pela honra dos princípios reais, apareceu, em solo europeu, como princípio virtuoso de formação em contraposição ao vínculo burguês à acumulação de riqueza e propriedade. Pois Hegel quer mostrar como esta ética aristocrática irá produzir as condições objetivas para o Iluminismo.

Nesta perspectiva, o poder de Estado aparece como “ a substância simples, a obra universal, a Coisa mesma, na qual é enunciada aos indivíduos sua essência”. Ele é a “absoluta base (Grundlage)” do agir de todos. Por outro lado, a riqueza é o que “se dissolve no gozo de todos”, gozo movido pelo egoísmo de quem segue apenas seus próprios interesses imediatos (embora já vimos como Hegel contesta tal atomismo através da tematização do sistema de necessidades). A consciência pode optar pautar suas ações e julgamentos, seja a partir de um princípio, seja a partir do outro.

Hegel lembra que estes princípios podem ser invertidos. Ao internalizar princípios de formação e conduta através da obediência ao poder de Estado, a consciência encontra aqui: “sua simples essência e substância em geral, mas não sua individualidade como tal, Encontra nele, sem dúvida, seu ser em-si, mas não seu ser para-si”[2]. A obediência aparece como opressão. A riqueza, ao contrário, é “doadora de mil mãos” que tudo entrega à consciência e lhe permite o gozo da realização de seu próprio projeto, ela “a todos se entrega e lhes proporciona a consciência de seu Si”. Estas duas maneiras de julgar darão figuras distintas da consciência: a consciência nobre e a consciência vil.

            Na aula passada, seguimos os desdobramentos da consciência nobre. De fato, ela se vê como o “heroísmo do serviço”, como a pessoa que renuncia à posse e ao gozo de si mesma em prol da efetivação do poder ao qual se sacrifica. Desta forma, ela dá atualidade ao poder de Estado através de sua própria ação. Em última instância, é a consciência nobre que diz o que o poder de Estado é, daí porque Hegel afirma que este poder : “ainda não possui nenhuma vontade particular, pois a consciência-de-si servidora ainda não exteriorizou ser puro Si e assim vivificou o poder de Estado”[3]. A linguagem da consciência nobre aparece pois como o conselho (Rat) dado pelo “orgulhoso vassalo” ao poder de Estado para a efetivação do bem comum. Hegel insiste pois que este sacrifício da consciência nobre não é efetivamente um, já que é conselho que dirige o poder de Estado (jogando com a  ambiguidade) e que pauta suas ações a partir de um conceito de honra que é vínculo ao outro.

            Neste contexto, vimos como Hegel fazia novamente alusão à experiência da negatividade da morte como verdadeiro processo de formação. O verdadeiro processo de formação é o sacrifício que: “só é completo quando chega até a morte”, sacrifício no qual a consciência se abandona “tão completamente quanto na morte, porém mantendo-se igualmente nesta exteriorização”[4].

Mas neste ponto, Hegel acrescenta uma reflexão extremamente importante. Ele afirma que é através da linguagem que a consciência realiza enfim este sacrifício de si. Desta forma, a linguagem é claramente enunciada como processo de exteriorização e de auto-dissolução da identidade que deve ser lido na continuidade das reflexões de Hegel sobre o trabalho:

Com efeito, a linguagem é o Dasein do puro Si como Si, pela linguagem entra na existência a singularidade sendo para si da consciência-de-si, de forma que ela é para os outros (…) Mas a linguagem contém o Eu em sua pureza, só expressa o Eu, o Eu mesmo. Esse Dasein do Eu é uma objetividade que contém sua verdadeira natureza. O Eu é este Eu mas, igualmente, o Eu universal. Seu aparecer é ao mesmo tempo sua exteriorização e desaparecer e, por isto, seu permanecer na universalidade (…) seu desaparecer é, imediatamente, seu permanecer[5].

Ou seja, após ter dito, na seção anterior da Fenomenologia, que a linguagem era uma exteriorização na qual o indivíduo não se conservava mais, abandonando seu interior a Outro, Hegel afirma agora o inverso, ou seja, que a linguagem é o Dasein do Si como Si. No entanto, esta contradição é apenas aparente, pois a linguagem perde seu caráter de pura alienação quando compreendemos o Eu não como interioridade, mas como aquilo que tem sua essência no que se auto-dissolve. Ao falar do Eu que acede à linguagem como um universal, Hegel novamente se serve do caráter de dêitico de termos como Eu, isto, agora etc. “Eu” é uma função de indicação a qual os sujeitos se submetem de maneira uniforme. Ao tentar dizer ‘eu’, a consciência desvela a estrutura de significante puro do Eu, esta mesma estrutura que o filósofo alemão chama de : “nome como nome”. Uma natureza que transforma toda tentativa de referência-a-si em referência a si ‘para os outros’ e como um Outro. Este eu enquanto individualidade só pode se manifestar como o que está desaparecendo em um Eu universal. Novamente, Hegel se serve da lógica dos dêiticos para falar daquilo que é essencial nos usos da linguagem. A peculiaridade de nossa passagem é que ela ainda servirá para que Hegel mostre uma situação de prática social na qual o Eu se apresenta integralmente em uma linguagem que não expressa sua individualidade: trata-se da lisonja.

Hegel fez tais considerações sobre a linguagem para poder introduzir uma mudança maior na relação entre a consciência nobre e o poder de Estado com o advento da monarquia absoluta. A consciência nobre não mais tenta, através da linguagem do conselho, determinar a vontade de um poder do Estado que passa à condição de Eu deliberante e universal em sua singularidade: único nome próprio diante de nomes sem singularidade. O nome do monarca é pura vontade que decide. Desta forma: “o heroísmo do serviço silencioso torna-se o heroísmo da lisonja”, de um alienar-se, através da bajulação, à vontade de um Outro (Hegel pensa sobretudo na nobreza palaciana de Versailles sob Luis XIV):

Vê sua personalidade como tal dependendo da personalidade contingente de um Outro; do acaso de um instante, de um capricho, ou aliás de uma circunstância indiferente. No Estado de direito, o que está sob o poder da essência objetiva aparece como um conteúdo contingente do qual se pode abstrair e o poder não afeta o Si como tal, mas o Si é antes reconhecido. Porém aqui o Si vê a certeza de si, enquanto tal, ser o mais inessencial e a personalidade pura ser a absoluta impessoalidade[6].

 Ou seja, do Senhor do mundo ao monarca absoluto, temos um aprofundamento da apropriação reflexiva da natureza dilacerada da consciência. Pois, aqui,  a consciência nobre se encontrará tão dilacerada quanto a consciência vil, embora este dilaceramento seja condição para a determinação da verdade da consciência, até porque: “ a consciência-de-si só encontra sua verdade no seu dilaceramento absoluto”. Mas este dilaceramento deverá ainda durar um pouco mais.

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