A Novela do Governador Geraldo Alckmin: Professores em greve conduzem manifestação gigantesca até o Palácio dos Bandeirantes, mas não são atendidos pelo governador

Professores em greve protestam em frente ao Palácio dos Bandeirantes (SP)

Professores em greve protestam em frente ao Palácio dos Bandeirantes (SP)

Numa verdadeira demonstração de resistência na última sexta-feira (10/04), no bairro do Morumbi, foi realizada mais uma assembleia estadual, onde se reuniram cerca de cinquenta mil (50.000) professores que reafirmaram suas reivindicações e votaram pela continuidade da greve, seguiram em passeata até o Palácio dos Bandeirantes onde tencionavam protocolar um pedido de reunião com o governador de São Paulo, mas o senhor governador Geraldo Alckmin está encenado mais um capítulo de sua novela: a recusa obstinada em negociar com os professores em greve, e, ainda ao menos em reconhecer o movimento grevista que já se estende por mais de um mês.
A passeata dos professores seguiu caminho até a sede da Rede Globo, na Avenida Roberto Marinho, onde expressaram seu repúdio à cobertura parcial e tendenciosa levada em efeito pela emissora.

Greve dos Professores da Rede Estadual de São Paulo – Servidores da Educação Lotam Algumas das Principais Avenidas de São Paulo.

Na última quinta-feira (02/04), os professores da rede estadual de ensino, reunidos em Assembleia Estadual, no vão livre do Museu de Artes de São Paulo (MASP), paralisaram a Avenida Paulista e adjacências.

Greve dos Professores - Rede Estadual de Ensino - São Paulo - Imagens desmentem os números divulgados pela "grande mídia". (02/04/2015)

Greve dos Professores – Rede Estadual de Ensino – São Paulo – Imagens desmentem os números divulgados pela “grande mídia”. (02/04/2015)

Numa manifestação pacífica e organizada, os professores, junto aos seus representantes, a APEOESP, deliberaram de forma democrática pela continuidade da greve, que se estende desde o dia treze (13) de Março, e pela realização da próxima Assembleia Estadual defronte ao Palácio dos Bandeirantes, residência do governado de São Paulo, Sr. Geraldo Alckmin, a realizar-se na próxima sexta-feira (10/04), às 14:00 horas, também foi aprovado o calendário de mobilizações que, dentre outras ações, prevê a intervenção nas principais rodovias estaduais, dia  nove (09/04), quinta-feira. Os professores decidiram pelo deslocamento em passeata até o acampamento dos professores na Praça da República, em frente ao edifício da Secretaria da Educação.

Reunidos em cerca de sessenta mil (60.000) pessoas, os professores seguiram da Av. Paulista, passando pelas avenidas: Brigadeiro Luis Antônio, 23 de Maio e Ipiranga, até seu destino: a Praça da República, a “Praça dos Professores”.

Todo o percurso foi marcado pelo som de palavras de ordem, tais como, “Não vai ter arrego!”; “Professores na rua, Alckmin, a culpa é sua!” e “Fora Alckmin inimigo da Educação!”; além de paródias bem-humoradas que descreviam a situação da Educação na gestão do PSDB.

Os professores foram saudados, ao longo de todo trajeto, por moradores e transeuntes, ao som de aplausos e “buzinaço”, que demonstram o reconhecimento da justiça de sua causa.

Túnel da Avenida 23 de Maio. (02/04/2013) Acervo Pessoal: Prof. Marcos

Túnel da Avenida 23 de Maio. (02/04/2013)
Acervo Pessoal: Prof. Marcos

Necessário esclarecer que a greve dos professores visa melhorias nas condições de trabalho e aumento salarial, a pauta completa das

reivindicações pode ser conferida no site da APEOSP (http://www.apeoesp.org.br/). Os professores não contam com o apoio da grande mídia, que inclusive tem sido articulada com vistas a criminalizar o movimento grevista (vide o Editorial da Folha de São Paulo, 23/04/2015) e vinculá-lo a manobras político-partidárias.

Observemos que a greve não se insere no âmbito político-partidário, embora tenha dimensões políticas, posto que vise à melhoria no âmbito da educação e esta tem como um de seus principais objetivos a preparação para a cidadania (art.205/CF), a educação é política na medida em que acima das diferenças partidárias

prepara o educando para a vida em sociedade em seus variados aspectos.

O Significado do Ser Cristão – Reflexão Sobre a Igreja Evangélica Brasileira.

cruz-salvacao

Meu escrito não pretende ser uma análise teológica do problema, pois eu mesmo não possuo o título e tampouco a competência do teólogo. Antes escrevo como um irmão que tem certa formação filosófica e que se sente tocado pela situação.
Tenho muitos amigos teólogos, dotados de sólida formação filosófica, destaco o pastor Luiz Sayão, o pastor Jonas Madureira e o estimado Ze’ev Hashalom, todos estes têm plena capacitação e absoluta competência para discorrer sobre o assunto proposto.
Desde já peço a estes meus amigos, e a outros não mencionados, que me perdoem a ousadia em escrever sobre este tema, estou certo que terão muitas objeções e correções a fazer, às quais eu aceito de boa mente, e que muito daquilo que têm escrito e pregado elucida a perplexidade de meu escrito.
Não quero cair nos lugares-comuns ao discorrer sobre a igreja e o ser cristão no Brasil, nesta discussão é habitual ouvir um dentre dois juízos sobre o “movimento evangélico brasileiro”1 , primeiro, que têm triunfado, penetrado nas diversas camadas da sociedade, os evangélicos se têm feito o mais influente fenômeno de massas do século XX, sua presença se faz sentir nos principais veículos midiáticos, além de se terem tornado uma das mais poderosas forças políticas do país! O segundo juízo é aquele que diz dos evangélicos que se encontram em franca crise, que o seu crescimento em números, poder e influência, não se faz acompanhar de amadurecimento espiritual e moral correspondente, que o intercambio com as estruturas deste mundo tem corrompido sua identidade, fazendo-lhe adotar valores, nem um pouco cristãos, que fomentam teologias e práxis sem qualquer relação com o evangelho! Sobre isso muito tem sido dito e escrito, no Brasil e no exterior.
Hank Hannegraff escreveu seu “Christianity in Crisis” (Harvest House Pub., 1993), que encontra seu correlato na obra do pastor Paulo Romeiro, “Evangélicos em Crise” (Mundo Cristão, 1997); podemos considerar que essas obras representam duas atitudes distintas acerca do objeto que se propõem a examinar, Hannegraff assume que a crise seja do cristianismo, enquanto Romeiro parece considerar que a crise seja dos evangélicos. Mais que um mero problema terminológico a diferença expressa um problema conceitual: falar de crise do cristianismo parece referir a um problema essencial, enquanto falar de crise dos evangélicos parece referir a um problema circunstancial.
Talvez o quadro circunstancial seja apenas o reflexo de uma crise mais profunda, ou seja, a crise dos evangélicos, talvez, reflita a crise pela qual passa o cristianismo, ou ainda todas as religiões. A crise do movimento evangélico se apresenta como a ponta do iceberg, cuja maior parte está submersa, oculta aos nossos olhos.
Mas este diagnóstico é ousado e muito difícil, portanto consideremos apenas e em principio o que seja a ‘crise’.
O que significa o cristianismo, e, o cristão, como realidades históricas, como fenômenos que podem numa determinada época entrar em crise?
No uso da palavra ‘crise’ importar lembrar que sua etimologia está ligada à palavra ‘crítica’, que se refere ao ‘juízo’, ao julgar, ao distinguir. Portanto, pode-se considerar que crise significa, sobretudo, um estado de desorientação. Estar ‘em crise’ é estar desorientado, é não saber como agir e principalmente não saber o que pensar; na crise os discursos e as práticas, com todas as idéias que os alimentam, exigem fundamentação.
A desorientação é a condição que se dispara a partir da percepção do enigma da situação plural em que se encontra o humano hodierno; a explosão tecnológica, a multifacetada gama de saberes e principalmente de informações a que estão expostas e das quais participam as pessoas, principalmente quando se faz necessário a tomada de decisão, de si, para si.
A desorientação a que nos referimos pode ser individual ou coletiva, temporária ou histórica, depende de sua abrangência e duração, se afeta uma pessoa, em particular, ou uma sociedade – ou certo segmento social –, se é momentânea ou se prolonga por período mais extenso, nesta acepção temos aquilo que se reconhece como crise, e, nas últimas circunstâncias, mais especificamente uma crise histórica.
Nesta crise o reconhecimento de si se obnubila e sem a certeza sobre o que pensar, o sujeito se põe as perguntas: O que se pode fazer? E o que se deve fazer?
O cristão coloca a pergunta sobre sua sobre si mesmo! Naturalmente ele já fazia isso antes, pois perguntar-se sobre si mesmo, assim como dar-se significado a si, são atividades intelectuais naturais da vida humana.
Entretanto, fora da crise, o mundo natural e o mundo histórico-social fornecem respostas “satisfatórias”, e, além disso, me dirá o fiel, o cristão pode contar com os múltiplos ‘elementos’ que compõem a crença religiosa, diferentemente da “crença social”, e que se pode resumir na palavra preciosa da religião: fé!
A fé substancia o próprio modo de ser do cristão, lhe enriquece o significado. Mas não a fé num corpo teórico-doutrinal, mas a fé que se sustenta na relação e no compromisso com uma pessoa, Jesus, chamando o Cristo!
O problema do significado do ser cristão não é um problema individual, embora se imponha a todo individuo que assim se considere, mas é, sobretudo, um problema relacional. Nas circunstâncias de crise o cristão se encontra envolvido imediatamente no modo de ser do não-cristão, daí o perigo da conformação ao padrão deste mundo, sobre a qual nos alerta São Paulo2 ; a desorientação do cristão acerca de si se constitui na desorientação do não-cristão acerca do cristão.
Essa situação, que é caracterizada por certa indistinção, faz com que a sociedade não-cristã não saiba como se haver com o cristão, ou, noutras palavras, não saiba reconhecer o que é propriamente cristão na miríade de representações que se pretendem cristãs.
Os dois juízos, previamente apresentados, são como conclusões da interpretação destas miríades de representações.
Se perguntarmos: o que é o cristão?
A resposta que obtemos é em si mesma uma interpretação. Pois, toda a realidade, ao menos para o fenômeno humano, é interpretada, então, o cristão tem de si uma ideia e o não-cristão tem do cristão, outra ideia, ambas resultam de interpretações diferentes. A crise histórica neste contexto expressa o problema mais agudo da relação de identidade entre representação e interpretação, pois afeta os dois termos em ambos os sujeitos.
A interpretação dos não-cristãos fundamenta-se, sobretudo, nos aspectos práticos – Jesus disse “dos frutos”3 – pelos quais o cristão se dá a conhecer.
Logo, temos dois elementos que constituem essa interpretação: o elemento vital e o elemento intelectual. Como vivem esses cristãos? Quais são os seus valores e práticas? Em que diferem de cada um de nós?
Estas questões recebem respostas na observação das representações cristãs, fornecidas pelo próprio cristianismo, principalmente na medida em que os cristãos assumem, cada vez mais, o domínio do universo tecnológico, do vídeo e das mídias digitais.
Uma “zapeada” pelos canais de televisão confirmam rapidamente a impressão que têm os não-cristãos acerca dos cristãos, de que estes se orientam pelos mesmos valores que eles, na maioria dos canais e programas evangélicos a ênfase é posta na cura física e na prosperidade expressa principalmente em riqueza e bênçãos materiais; não que haja algo errado com a prosperidade, até porque esta é uma palavra que abrange muitos significados, o que se considera errado é uma teologia e uma práxis cujo fulcro seja a prosperidade e não o Cristo. Os métodos empregados vão desde mensagens motivacionais até técnicas tomadas de psicoterapias de vários matizes, na melhor das hipóteses, mentiras, fraudes, charlatanismo e manipulação psicológica, nos piores casos. Portanto, os não-cristãos não vêem diferença entre os valores “evangélicos” e os seus, principalmente quando se analisa como ambos os segmentos valorizam a meritocracia, a competitividade, a produtividade, a eficiência e os resultados imediatos, e, isso a qualquer custo.
Todo esse arcabouço de informações acerca dos cristãos, disponibilizadas pelos próprios, se constitui no substrato para o elemento intelectual que constrói a interpretação que a sociedade não cristã tem dos cristãos.
Nesta situação o cristão tem de enfrentar um duplo desafio se quiser realmente expressar o significado do ser cristão.
Buscar no passado o significado originário de seu ser, e, traduzir em novas categorias este significado, sem perder o núcleo essencial de sua confissão, de modo a falar aos corações e às mentes de seus interlocutores, não se trata de resignificar o ser cristão, como querem alguns, mas sim, do resgate ao seu significado evangélico.
A tarefa parece fácil, mas implica grandes dificuldades: Qual é a referência do ser cristão que deve ser perseguida? Em qual época pode ser encontrada?
Se o ser cristão é uma realidade histórica, é também mutável e principalmente adstrita ou determinada por razões histórico-sociais. Talvez, alguns possam dizer: “– Basta que tomemos os exemplos bíblicos!”
Não negamos a necessidade e a importância destes exemplos, porém talvez tenhamos que tê-los mais especificamente como espécies “tipos”4, que necessitam da realização em cada cristão, em cada época . A igreja cristã no século I foi uma realidade histórica embrionária, ela passou por intensas transformações ainda em seu tempo. Uma foi a igreja do século III e outra a igreja medieval, ainda que nestes períodos houvesse vários tipos de cristãos.
Reflito muito sobre as palavras de Tillich, que me parecem muito sóbrias, em relação às pretensões do moderno fundamentalismo evangélico, segundo ele, o fundamentalismo fracassa ao tentar contactar a situação presente por falar desde uma situação passada, absolutizando aquilo que é, e deve ser relativo. A historicidade do cristianismo exige essa relativização, exige a consideração das múltiplas possibilidades do ser cristão ainda dentro de um mesmo período histórico.
Pensemos na consideração do fundamentalismo. Eles consideram o cristianismo medieval pouquíssimo cristão, comparando-o com sua própria experiência de ser cristão. Mas, será que os cristãos medievais achavam sua situação espiritual tão decadente?
Talvez alguns sim, e outros não – como ocorre hoje.
Porque a própria ideia do ser cristão, apesar de gravitar em torno de uma confissão fundamental transforma-se de acordo com as circunstâncias, às quais tende a transcender.
Ousaríamos dizer que houve épocas mais ou menos cristãs que a nossa?
Sem dúvida juízos semelhantes têm sido pronunciados, porém fundamentados mais nas preferências daqueles que os proferem que em qualquer demonstração.
Portanto, cabe aos cristãos o reconhecimento da validade significativa de sua própria época, pois cada época tem sua validade, a lógica própria de sua historicidade, e, a partir desta lógica re-fundar o significado do ser cristão, tendo como centro a confissão de Cristo, Salvador e Senhor da humanidade e de todo o cosmos.
Essa tarefa visa o resgate do significado do ser cristão, lógico que na consecução de tal tarefa não pode se eximir de investigar na biografia histórica do cristianismo qual seja sua identidade, todavia a investigação não pode deter-se na retrospectiva, até os nossos dias, antes deve ser prospectiva, porque o ser cristão, assim como o fenômeno humano, é futuriço, está projetado para o futuro, o que Cristo fez de nós é a realidade futura que em nós se antecipa – sobre essa tensão escatológica os teólogos têm muito a nos ensinar, mais do que seriamos capazes – o ‘novo homem’ que já está presente em nós há de revelar plenamente na Sua vinda!

Notas.

[1] Assumimos aqui o ponto de vista de que se pode falar em ‘movimento evangélico’ como que fala de um fenômeno homogêneo, embora reconheça que isso é uma generalização que simplifica em muito algo que é deveras multifacetado.

[2] Rom. 12,2.

[3] Mt. 7, 16-23.

[4] Dizemos tipos pensando que nossa vivência em Cristo, precisa ir além daquela de nossos antepassados, como primeiras comunidades cristãs temos que considerar que eles tiveram que aprender muito em suas vivências e que nós temos que aprender com seus erros e acertos, evitando os primeiros e seguindo os últimos.

Revista Poliética

Aqui a primeira edição da revista do grupo de estudos em Ética e Filosofia Política da PUC-SP.
O tema do qual todos os artigos dessa edição tratam é o da injustiça.
Vale a pena ler.

 

http://revistas.pucsp.br/index.php/PoliEtica/issue/archive

Sobre discursos e linchamentos

Recentemente tenho lido muitos textos nas redes sociais e na grande mídia, cada um expondo sua visão dos ocorridos ultimamente sobre o papel da imprensa e a influência direta das opiniões na população. Deixarei a minha então.
A jornalista do SBT Rachel Sheherazade emitiu uma opinião há um tempo atrás, dizendo que na ausência de Estado, é até compreensível a atitude de justiceiros. Atacou os defensores dos direitos humanos e disse que se tivermos dó de bandido, que os levemos pra casa. Isso depois de um garoto ser espancado e amarrado ao poste e uma reação de repúdio por parte da população em relação aos críticos dessa atitude. Ora, ela disse o que (tristemente) talvez a maioria da população defende.
Logo após isso, uma onda de linchamentos começou no país (38, com 19 mortos,todos inocentes).
Poderemos ter duas posições: ou foi uma coincidência absurda ou tais linchamentos são consequência necessária do discurso.
Bem, tendo a optar pelo segundo caso e explico o porquê.
Existe uma primazia do pensamento em relação à ação. Biologicamente falando. Até o simples levantar de um dedo, mesmo que sem a nossa consciência, é produto de um pensamento prévio. Logo, toda ação pressupõe um pensamento prévio. Analogamente, no plano do social as coisas também são assim. Toda ação é justificada (ou fundamentada) por um discurso (pensamento portanto), por mais precário e ilógico que seja.
Em todos os grandes acontecimentos humanos, absurdamente tristes ou absolutamente felizes, sejam genocídios ou festas populares, há sempre um discurso, qualquer um, por trás.
E não precisa ser um discurso direcionado objetivamente para a ação, basta simplesmente ser coerente com o que as pessoas previamente já defendem.
Vivemos um período politicamente efervescente mas com muita pouca consciência do que, de fato, está acontecendo. Somos um povo com raiva do país (com razão) e, portanto, com raiva de si próprio. Os ânimos estão exaltados e basta apenas um motivo, por mais fútil que seja, para que a bomba exploda.
É nesse sentido que, quem fala à massa, deve ter clara consciência do que pode provocar. Cada palavra pode acender um pavio. Basta apenas uma faísca para que tudo estoure. Quem fala à massa DEVE ter isso em mente sempre. Quando qualquer opinião, irrefletida em suas consequências objetivas, é emitida para a massa, é um discurso que, na polifonia existente, tem primazia sobre outros, pois ocupa um lugar de destaque nessa mesma polifonia.
E basta um discurso dito no ar, que seja coerente com o que uma turba pensa, para que o curso das ações (individuais) passem a ser efetivadas em público.
De pensamentos privados, através de uma opinião emitida em público por alguém que representa um papel “importante”, ações públicas surgem, irrefletidas no momento da ação, mas previamente fundamentadas em um discurso.
Turbas enfurecidas só precisam de uma desculpa, pública, que libere seus ódios mais privados. Afinal, turbas não pensam, apenas usam um pensamento preexistente para se ancorarem.
Portanto, quando uma âncora fala publicamente que “compreende” a ação de justiceiros, a turba entende: “bom, se me compreende, então vamos lá”. Simples assim. Essa significação entrou na polifonia corrente com primazia de alcance e autoridade. “Não foi qualquer um que disse, foi a âncora da tv, famosa, inteligente e que, por incrível que pareça, pensa como eu!” Ora, não há uma legião de pessoas que aplaudiram a jornalista e escreveram: “Falou o que muitos de nós pensam” ou “essa tem coragem de dizer a verdade”?…..Enfim. Isso só reafirma que, dado a posição de quem fala, o discurso toma proporções assombrosas.
Tal discurso poderia ter sido feito de muitas outras formas, mas a escolha no “espaço criativo” da âncora construiu uma significação massiva cheia de consequências. Ela tem responsabilidade sim. Assim como Bolsonaro tem responsabilidade quando diz que homossexual é anormal em seus discursos públicos, e depois homossexuais são espancados na rua. É um discurso que, com alcance e potência, fundamenta o curso das ações. Afinal, toda anormalidade merece ser corrigida, eliminada, para as coisas seguirem seu curso, e se, um político eleito defende isso, tenho minha justificação para tal.
Esse breve ensaio surge como desabafo, apenas. Porém, é também um convite ao pensamento racional.
Afinal, todos devem saber das consequências e influências de seus papéis sociais e do impacto de suas opiniões nesses lugares ocupados.

UMA REFLEXÃO A PARTIR DO TEXTO “UM TROTE NO ESTILO SOKAL POR UM FILÓSOFO ANTIRELIGIOSO”.

Por: Carlos Eduardo Bernardo.

“Quem procurar sinais da presença de uma divindade irônica mexendo seus pauzinhos por trás do enorme jogo do mundo, não encontrará nenhum indício disto no gigantesco ponto de interrogação que se chama cristianismo. Veremos que a humanidade se ajoelha diante da antítese daquilo que no início era o sentido e a lei do Evangelho, que no conceito de ‘igreja’ santificou-se justamente o que o ‘mensageiro feliz’ considerava inferior e ultrapassado em relação a esse conceito; porém, procuraremos em vão uma forma maior de ironia da história mundial”.

(Friedrich W. Nietzsche, O Anticristo, 36.)

Introdução.

Diego Azizi, meu amigo, e, articulista deste blog, traduziu o artigo de Jerry A. Coyne[1], Um trote no estilo Sokal por um filósofo antireligioso [sic]. O artigo nos apresenta a faceta do Dr. Maarten Boudry, filósofo antirreligioso. O Dr. Boudry remeteu um “pós-moderno e teologicamente sofisticado […]” resumo para duas conferências de teologia, porém era um resumo “falso”, um texto no estilo Sokal.

Um texto no estilo Sokal é uma fraude acadêmica, um texto verborrágico e prolixo, mas sem sentido algum, propositalmente escrito com grande poder de sedução devido o excesso de palavras difíceis e citações aparentemente eruditas, cujo propósito é testar o rigor acadêmico e a legitimidade de instituições que se pretendem bastiões de cultura acadêmica sobre determinada disciplina[2].

Dadas características desse tipo de escrito, espera-se que nenhuma instituição acadêmica séria aprove sua publicação, todavia o escrito de

Dr. Maarten Budry

Dr. Maarten Boudry (1984). Pesquisador  e Membro Docente do Depto. de Filosofia da Universidade de Ghent (Bélgica) 

Boudry foi aprovado para as publicações.

Este episódio parece comprovar que não apenas a religião cristã, em suas expressões mais populares, mas também suas expressões mais requintadas, representadas pelo labor teológico – os seminários, as conferências, os periódicos e outros – são indignos de crédito.

A Teologia enquanto instituição cristã pretende ser um conhecimento “científico e racional das coisas divinas”, mas não consegue distinguir entre um conhecimento fundamentado de uma fraude acadêmica, na área mesma em que se pretendem especialistas.

O presente escrito pretende refletir sobre o significado da submissão a instituições de ensino e teológico de textos no estilo Sokal, e, também pretende demonstrar que a eficácia desse tipo de teste é garantida por uma defecção intrínseca à constituição do próprio cristianismo.

O Texto.

Se há realmente uma batalha entre a religião e a antirreligião, em especial entre o cristianismo e o ateísmo, é possível considerar cada argumento, cada referência, cada denúncia, cada gesto de um dos lados, em relação ao outro, como se fosse um “ataque” e a reação do outro como uma “defesa”, ou simplesmente um “contra-ataque”.

Por este ângulo a submissão de textos no estilo Sokal às instituições de divulgação e ensino teológico, aparentemente significa que os ateus e outros antirreligiosos consideram a teologia como a “última forma resistente do cristianismo”.

Desde ao advento da Modernidade (séc. XVI) o cristianismo começou a cindir-se em duas ‘instituições’, a igreja e a teologia.

Nos primórdios o cristianismo tinha na vida cotidiana e no serviço da igreja a formação espiritual e intelectual de seus fiéis, inclusive dos líderes, sendo sua ocupação de ordem prática e não teórica.

Ao longo dos séculos este modelo se manteve relativamente inalterado, apesar de, no período medievo, a educação “teológica” ter sido transferida para os mosteiros, ainda assim manteve-se intramuros da igreja.

O século XVI viu o surgimento dos primeiros seminários teológicos católicos, mas foi principalmente a partir dos meados do século XVIII, sobretudo com o advento do ‘movimento evangélico’ e o “boom” do racionalismo, que o cristianismo tomou de empréstimo os modelos seculares de formação, a universidade[3]. Estes modelos sobrepostos aos moldes do ensino teológico protestante de algumas universidades “misturaram- se” à mística da ‘religião do coração’, ensejando o ensino de uma teologia evangélica, biblicista e fundamentalista.

Esta teologia também tomou do racionalismo as categorias discursivas com objetivo de defender a fé e formar líderes competentes para a igreja.

Este é basicamente o momento histórico em que o cristianismo cindiu-se em duas ‘instituições’ diferentes: a igreja e a teologia.  A primeira seria o bastião da fé e a segunda o bastião da intelectualidade cristã.

A teologia se hipostasiou em face da igreja, assim como, o cristianismo, séculos antes, hipostasiara-se em face das comunidades dos fiéis, o que era

uma vida de simples testemunho da fé em Cristo Jesus, foi substituída gradativamente pelo assentimento intelectual num determinado conjunto de doutrinas, alicerçadas numa leitura muito questionável da Bíblia.  De igual modo o testemunho “itinerante” dos fiéis o mundo antigo, nas primeiras comunidades, fora gradativamente absorvido pela imposição de adesão a igreja como estrutura monolítico-centralizada.

Sobretudo a partir do século XIX e em parte do século XX, muitos jovens considerados fervorosos e fiéis na fé, perdiam-se ou sentiam-se fortemente abalados em suas convicções ao ingressarem nos seminários, advoga-se que isso se dava por causa da exigência do uso rigoroso da razão no exercício de análise do conteúdo da fé[4].

Porém, a divisão à qual nos referimos não trouxe benefícios aos cristãos, foi sim malévola, pois enfraqueceu suas fileiras de modo indelével.

Houve um “confinamento” da fé nas congregações, de modo que pessoas mais cultas, sobretudo os não cristãos, começaram a acreditar em um determinado estereotipo: os cristãos nas congregações são pessoas ignorantes, “burras”, estúpidas que se deixam manipular por pastores espertalhões!

Também foi criada a imagem dos teólogos como aqueles que dominam racionalmente a fé, como aqueles que são os únicos habilitados para pastorear a igreja e fazer frente ao secularismo e à crescente onda de incredulidade que “assalta” ao homem moderno.

Em consequência disto o século XX testemunhou muitos conflitos entre os teólogos e os pastores de campo; os primeiros criticavam a fé ingênua e “supersticiosa” da congregação, eles supunham que esta ingenuidade era alimentada por seus pastores, e, os últimos criticavam a atitude acentuadamente teórica dos teólogos, consideravam sua abordagem excessivamente racional, distante da realidade das congregações, além de acusarem os teólogos de se portarem diante dos demais fiéis e líderes com atitude de pretensa superioridade.

O caráter individual de muitos adeptos, suas intenções e seu testemunho não estão em causa. Todavia, analisando com rigor e imparcialidade é difícil negar que a igreja, enquanto congregação, o grupo de fiéis que busca orientar-se quase exclusivamente pela fé, entrou em colapso, e isso devido à sua própria ingenuidade, à superstição sob o título de piedade, mas, sobretudo à corrupção extrema de seus líderes; estes se envolveram no jogo de vaidades e se deixaram dominar pela ambição em conquistar o poder secular.

Esta conjuntura colocou o cristianismo em descrédito diante da sociedade secular e mesmo para muitos fiéis, o que se constata facilmente por meio dos dados de estatísticas acerca da crescente perda de fiéis a cada dia[5]. Muitos ex-adeptos do cristianismo se tornam seus mais ativos opositores, engrossando principalmente as fileiras do ateísmo; a veemência com que negam a fé cristã, estes que outrora a professavam, é proporcionalmente inversa à defesa que dantes dela faziam.

Os teólogos, e, a teologia, representada pelos seminários, aparentemente são a única frente de resistência ainda fortificada contra o secularismo e o ateísmo, ao menos assim tem sido considerado pela igreja, sobretudo em sua corrente denominada ‘evangélica’.

Posto que, a igreja perdeu sua credibilidade e não consegue fazer frente ao

Será  a teologia  o último refúgio do cristianismo?

Será a teologia o último refúgio do cristianismo?

avanço da racionalidade científica e dos ataques do ateísmo “militante”, os teólogos foram reabilitados com o objetivo principal de defender a igreja, supostamente, sobre as mesmas bases científicas e racionais.

Esta atividade teológica, de cunho apologético, tem sido constante principalmente nos Estados Unidos da América (USA), onde o fundamentalismo cristão resiste ao secularismo crescente e às inquirições do ateísmo.

Mas, se pudéssemos provar rigorosamente que as pretensões acadêmicas dos seminários e outras instituições de ensino teológico não se sustentam? Se conseguíssemos demonstrar que todas as verborrágicas obras de teologia, racionalmente justificadas, não passam de quimeras sustentadas apenas pelo envoltório de um bom discurso?  A consequência não seria a desmoralização dos seminários, e, a desarticulação do discurso teológico frente aos nossos contemporâneos?

Aparentemente este é caminho mais eficiente para a derrocada final do cristianismo.

Há tempos livros têm sido escritos e documentários produzidos com o intuito de desmascarar ou refutar teorias acerca da fé ou da religião, tanto por parte de ateus, quanto por parte de religiosos. Há muito, debates públicos entre ateus e teólogos têm sido promovidos com o propósito de “dar a vitória” a um dos lados!

O uso do estilo Sokal parece ser um modo devastador de minar a autoridade das instituições de ensino teológico, pois, seu sucesso indica que apesar de se pretenderem eruditas, não sabem distinguir entre o que seja uma fraude acadêmica e o que seja um escrito sério com fundamentos epistêmicos acerca de assuntos em que deveriam ser exímios especialistas.

A possibilidade de eficácia desta espécie de ataque ao cristianismo tem como fonte a própria natureza desta religião, conforme sua moderna configuração, ou seja, o desvio do cristianismo, enquanto instituição, sua cisão em duas instâncias na tentativa em equiparar-se ao modelo secular, é que possibilita esta investida.

A bifurcação igreja/seminário feriu o principio de unidade do Evangelho, pois dividiu a igreja em uma classe de doutos e outra de símplices[6].

A própria existência de seminários atesta a inépcia da igreja em formar seus membros no Evangelho. A preocupação da igreja jamais deveria ter se demovido da existência em testemunho vivo de Cristo, para a elaboração teórica da fé. Os lideres da igreja nos primórdios se formavam na vivência, no seio das comunidades, eram homens simples, mas envoltos em uma aura de espiritualidade e autenticados pela prática do amor ao próximo, isso de tal modo que impactavam com seu testemunho mesmo aos homens que poderiam ser considerados mais incrédulos.

É possível pensar, de acordo com as características do Evangelho, que o Sokal pode afetar frontalmente a teologia, porque a sua esfera, o seu “lugar” (gr. ho tópos) é a imanência, ela é um exercício teórico marcado pelas contingências históricas[7], assim como os que nela se exercitam. Todavia o Sokal não pode afetar o Evangelho, porque sua essência está na esfera, no “lugar” de transcendência[8]. Dizer isso é assumir que a teologia, bem como a religião, é uma construção humana, e, portanto está marcada pelas contradições que o humano carrega em si enquanto ser de agonia. Mas, esta argumentação é em si mesma uma abordagem teológica, sobre a qual não pretendemos nos debruçar.

Conclusão.

O resultado das articulações políticas de Constantino, no século IV, sofreu dobras e desdobras ao longo dos séculos, marcado por momentos históricos vergonhosos: Cruzadas, a cisão na Reforma, as Guerras da Religião, a Inquisição, o silencio diante das atrocidades do nazismo e a cínica conivência com diversos regimes autoritários e ditatoriais em diversas partes do mundo.  Com este histórico o cristianismo parece ter encontrado o fim de seus recursos.

A Europa, outrora foco disseminador do cristianismo, está tomada por uma onda de incredulidade crescente, e nas Américas as igrejas também sofrem perdas consideráveis.

Se os teólogos conseguiam, de algum modo, salvaguardar as fronteiras da cristandade, sua seriedade teórica, além de ser questionada, está sendo testada e parece não alcançar êxito em seus resultados.

Não é possível terminar este escrito sem retornar, ainda que brevemente, à citação em epígrafe. Dentre os críticos da fé cristã Nietzsche foi o mais agudo e aquele que fez o melhor diagnóstico acerca do cristianismo. Ele pode dizer

Friedrich W. Nietzsche (1844-1900). O mai agudo crítico do cristianismo.

Friedrich W. Nietzsche (1844-1900). O mais agudo crítico do cristianismo.

que no cristianismo “[…] a humanidade se ajoelha diante da antítese daquilo que no início era o sentido e a lei do Evangelho […]”. É visível que ele opõe o Jesus do Evangelho ao cristianismo e o seu Cristo, pois em sua visão, o cristianismo apresenta ao mundo um antievangelho sob o título de Evangelho, além de transformar o ‘mensageiro feliz’ e gracioso no pregador de uma mensagem de ressentimento, que noutra parte, ele, designa pelas expressões “má-nova” e desevangelho[9].

Talvez toda esta situação, a queda do cristianismo, o fim da “civilização cristã”, abra espaço para o Evangelho, para vidas transformadas que não afirmam qualquer superioridade de si, mas se doam em verdade para que todos possam realizar-se em suas possibilidades reais. Talvez, seja necessário o esvaziamento dos templos para que haja o pleroma de Cristo naqueles que realmente a Ele se entregaram e mostram isso na entrega ao outro, na linguagem cristã: na entrega ao próximo.

Da morte de Deus, constatada por Nietzsche, sobe o cheiro pútrido que contamina os ares, e, esse cheiro nada mais é que o próprio cristianismo, suas doutrinas, suas práticas, seus ritos, sua teologia, enfim, tudo o que se constitui em detrimento do Evangelho.

Se as igrejas são túmulos de Deus, suas lapides os seminários são e as teologia o seu epitáfio.

Esperamos que haja realmente “a manhã do terceiro dia”!

Bibliografia.

CLEMENTE DE ALEXANDRIA. Stromata. In: www.earlychristianwritinngs.com/clement.html

LOUREIRO, Maria Amélia Salgado. (Coord.) História das Universidades, São Paulo, Estrela Alfa Editora, S/D.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O Anticristo: Maldição do Cristianismo. Rio de Janeiro, Newton Compton Brasil Ltda., 1992.

THIELICK, Helmut. Recomendações Aos Jovens Teólogos e Pastores, São Paulo, Editora SEPAL, 1990.

http://whyevolutionistrue.wordpress.com/2012/09/25/a-sokal-style-hoax-by-an-anti-religious-philosopher-2

http://projetophronesis.com/2013/03/26/um-trote-no-estilo-sokal-por-um-filosofo-antireligioso-a-sokal-style-hoax-by-an-anti-religious-philosopher/

http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?view=noticia&id=1&idnoticia=2170&t=censo-2010-numero-catolicos-cai-aumenta-evangelicos-espiritas-sem-religiao.

http://en.wikipedia.org/wiki/Alan_Sokal

 

http://skepp.be/nl/levensbeschouwing-evolutie/vrije-universiteit-voor-schut-met-namaakartikel#.Udg9wzuorqF


[2] Sugere-se como leitura introdutória acerca do que seja o trote no estilo Sokal (Sokal hoax) a página da Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/Alan_Sokal

[3] Importante lembrar que as Universidades têm origem ligada às transformações pelos quais passaram os ‘ensinos maiores ou gerais’ (lat. studium generale), importantes conjuntos de escolas monásticas e episcopais da Idade Média. Algumas dentre as mais importantes universidades norte-americanas nasceram com objetivo de reavivar a fé cristã, Harvard (1636) e a Princeton (1896), por exemplo, porém secularizaram-se no decorrer dos séculos.

[4] Sugiro a leitura de THIELICK, Helmut. Recomendações Aos Jovens Teólogos e Pastores, São Paulo, Editora SEPAL, 1990, o livro relata este fenômeno e propõe um lenitivo ao problema, uma espécie de código de ética que gerenciasse suas primeiras experiências nos seminários, este escrito, dentre outros, indica quais eram as dimensões do problema.

[5] O quadro no Brasil é relativamente diferente, enquanto análise estatística, o Censo Demográfico 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou um crescimento na população evangélica, que passou de 15% em 2000 para 22,2% em 2010, embora a maioria religiosa no Brasil ainda se declare de fé católica. Todavia, o mesmo Censo registrou um considerável aumento no número daqueles que se declaram sem religião, em 2000 eram quase 12,5 milhões (7,3%), e, em 2010 ultrapassam os 15 milhões (8,0%). Informações adicionais que revelam o perfil daqueles que integram cada uma das fileiras podem ser obtidas em http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?view=noticia&id=1&idnoticia=2170&t=censo-2010-numero-catolicos-cai-aumenta-evangelicos-espiritas-sem-religiao.

[6] Não ignoramos que na história da igreja este tipo de classificação não é estranha, Clemente de Alexandria, por exemplo, classificava os cristãos entre dois grupos: o simples fiel e o gnóstico, cristão perfeito (Strom. IV, 21; 130,1), porém, este caso se trata de uma topologia que visa um determinado fim no contexto de uma teoria específica. Já no exemplo do cristianismo contemporâneo, se trata de uma práksis que não se presta a uma justificativa teórica, na realidade é vergonhosamente mascarada sob um discurso de igualdade que não encontra qualquer ressonância na realidade.

[7] O próprio Boundry relativiza a importância de seu hoax, ao admitir que toda disciplina científica é suscetível à uma paródia, ainda que considere a teologia como aquela que é mais suscetível.

Vide: http://skepp.be/nl/levensbeschouwing-evolutie/vrije-universiteit-voor-schut-met-namaakartikel#.Udg9wzuorqF

[8] Embora o Evangelho seja de transcendência, sua virtude é exatamente participar, enquanto logoi de Deus, para os que creem assim, da automanifestação do Divino no plano da imanência.

[9] Vide: Nietzsche, O Anticristo, 39.

Todos os livros de Michel Foucault para download

Nesse site do grupo de estudos foucaultianos, todos os livros do filósofo francês estão disponibilizados para download gratuito, assim como livros de comentadores e leituras introdutórias.
Não percam!

http://geffoucault.blogspot.com.br/p/livros-para-download.html

Um trote no estilo Sokal por um filósofo antireligioso (A Sokal-style hoax by an anti-religious philosopher)

Por Jerry A. Coyne


Sou um grande fã do Dr. Maarten Boudry, um filósofo belga que é pesquisador-bolsista do departamento de filosofia e ciências morais da Ghent University. Boudry passou muito tempo mostrando que religião e ciência são incompatíveis, atacando a distinção entre “naturalismo metafísico” e “naturalismo metodológico” (uma distinção bastante adorada pelos acomodacionistas), e geralmente humilhando (
pwning*) “teólogos sofisticados™.”

Vocês podem encontrar minhas discussões anteriores sobre o trabalho de Boudry aqui, aqui e aqui, e se vocês estão familiarizados como o escorregadio teólogo Alvin Plantinga, certifiquem-se de ler a nova resenha de Boudry sobre o livro de Plantinga “Where the Conflict Really Lies: Science, Religion, and Naturalism. A resenha de Boudry está disponibilizada online, começando na p. 21 da the latest newsletter from The International History, Philosophy and Science Working Group.

Mas hoje eu apresentarei algo mais: um verdadeiro trote no estilo Sokal perpetrado por Boudry. Ele me informou ontem que submeteu um falso, pós moderno e teologicamente sofisticado resumo para duas conferências sobre teologia:

A propósito, eu pensei que você pudesse achar isso engraçado. Eu escrevi um resumo fraudulento cheio de baboseira (gibberish) teológica (no estilo Sokal) e o submeti a duas conferências sobre teologia, as duas das quais aceitaram de pronto . O resumo entrou nos processos da conferência de “filosofia reformacional”. Veja Robert A. Maundy (um anagrama de meu nome) na p. 22 do programa”.

Para não dar trabalho para você, leitor, eu reproduzo abaixo, com a permissão de Boudry, o resumo de “Maundy” . Note-se que ele inventou uma faculdade, também, mas a citação de John Haught é real.

Os paradoxos da desordem darwiniana. Acerca de uma reafirmação ontológica da ordem e da transcendência.

Robert A. Maundy, College of the Holy Cross, Reno, Nevada

Na perspectiva darwiniana, a ordem não é imanente à realidade, mas sim um aspecto de auto-afirmação de realidade na medida em que é experimentada por sujeitos situados. Contudo, não é tanto a realidade que é auto-afirmativa, mas a ordem estrutural criativa da realidade que se manifesta para nós. Ser-completo, em oposição ao Ser-um, subscreve o nosso sentido fundamental de localidade e particularidade no universo. A valorização da ordem qua significativa ordem, ao invés da ordem-em-si-mesma, foi completamente objetivada na cosmovisão darwinista. Esse processo de descontextualização e reificação do significado acabaram, em última instância, por conduzir à des-ordem’ ao invés da ‘esta-ordem’(this-order). Como resultado, o materialismo darwinista confronta-nos com a erradicação do significado da experiência fenomenológica da realidade. A teologia negativa, no entanto, sugere a reavaliação da desordem como um pressuposto necessário à ordem, esta sem a qual a ordem não pode ser pensada de uma maneira ordenada. Nesse sentido, des-ordem se dissolve em manifestações de ordem transcendentes ao reino materialista. De fato, ordem se torna somente transparente qua ordem na medida em que está situada em um contexto de caos e ausência de sentido. Essa oposição binária entre ordem e des-ordem, ou entre ordem e aquilo que perturba a ordem, encarna um paradoxo central do pensamento darwinista. Como Whitehead sugere, a realidade não é composta por substâncias materiais desordenadas, mas com eventos ordenados serialmente que são experienciados em um sentido subjetivamente significativo. A questão não é o que estrutura a ordem, mas qual estrutura é imposta na nossa concepção transcendente de ordem. Através do foco estrito sobre o desordenado estado do ser-presentado, ou da “incoerência de uma multiplicidade primordial”, como John Haught bem colocou, materialistas darwinistas perdem o sentido da definitiva ordem no desdobramento do ainda-não-ser. Contrariamente ao que Dawkins afirma, se nós reformularmos nosso senso de “localicidade” da existência dentro de um espaço de contingência radical do destino espiritual, então a ordem absoluta reemerge como uma possibilidade ontológica. O discurso da des-ordem sempre já incorpora um momento criativo que permite a si próprio transcender o contexto no qual encontra a si mesmo, mas também a encontrar conforto e “respostividade” em uma ordem absoluta na qual ambos engendram e retém significado. Criação é a condição de possibilidade do discurso que, por sua vez, evoca-se como apresentando a própria criação. Discurso darwinista é, portanto, somente uma emanação do discurso absoluto da des-ordem, e não o contrário, como materialistas brutos como Dawkins sugerem.

Eu desafio vocês a entenderem o que ele está dizendo, mas claro está que isso apela para aqueles que, mergulhados na Teologia Sofisticada™, adoram muitas palavras difíceis que nada dizem/significam, mas que de alguma forma parecem criticar o materialismo enquanto afirma o divino. Não fará mal também se você humilhar Dawkins algumas vezes.

Isso mostra mais uma vez o apelo da baboseira (gibberish = palavras que nada dizem) religiosa aos crentes educados, e demonstra que organizadores de conferências também não lêem o que publicam, ou lêem e acham que, se o texto é opaco (complicado, difícil) é porque deve ser profundo.


Traduzido livremente e sem muito rigor por Diego Azizi.
Fonte: http://whyevolutionistrue.wordpress.com/2012/09/25/a-sokal-style-hoax-by-an-anti-religious-philosopher-2/

*Pwning (de pwned) é um estrangeirismo de gíria da internet usado comumente em comunidades de jogadores. Quer dizer que uma pessoa foi humilhada por outra pessoa, ou por um grupo. É uma variação de owned, porém mais ofensiva.

Do mundo fechado ao universo ridículo: Marcelo Gleiser e a monotonia dos cientistas que não sabem rir de si

Por Diego Azizi

Marcelo Gleiser é um grande cientista, um físico formidável que, tanto em programas de tv quanto em publicações destinadas ao público não especializado, divulga a ciência e as maravilhas de suas descobertas de forma acessível e apaixonante. Contudo, cai no velho clichê do “especialista quadrado” que fica irritado quando sua classe é ridicularizada, como se ela estivesse, inexoravelmente, imune ao riso.

Na coluna que escreveu para a Folha em 2010* (e descoberta por mim apenas recentemente), reconhece a projeção que os cientistas e acadêmicos estão tendo na cultura pop nos últimos tempos, tanto nos livros e no cinema quanto na televisão, mas ataca ferozmente a imagem que uma sitcom em especial cria sobre os cientistas. A referida série chama-se The Big Bang Theory, e conta basicamente a história de dois físicos, um teórico e um experimental que moram de frente para o apartamento de uma garçonete aspirante a atriz, fazendo com que a relação entre esses personagens proporcione, para cada um deles, novas formas de ver o mundo, com lições e aprendizados que apenas uma perspectiva diferente pode ser capaz de realizar. É a partir daí que se constroem momentos memoráveis na história da comédia televisiva.

Gleiser afirma que “a imagem do cientista é a de um quase pateta, incapaz de funcionar socialmente ou de ter relações interpessoais normais. Neuróticos, afeminados, completamente estereotipados, os cientistas são essencialmente palhaços. Todas as idiossincrasias que se espera do mais nerd dos cientistas afloram a cada episódio. Ou seja, a série usa uma imagem distorcida dos cientistas para criar situações de humor”.

Contudo, podemos identificar uma confusão de Gleiser, ao afirmar que a série usa uma imagem distorcida dos cientistas. Primeiro que ele opera uma visão “metonímica” da narrativa, tomando a parte pelo todo. Não há distorção, há apenas a construção de personagens que são geeks e também são cientistas. Não é a imagem, ou melhor dizendo, não é o conceito de cientista que está sendo construído pelo seriado, mas sim a descrição de que aqueles (e isso é particular e não geral) cientistas em específico, que também são jovens e geeks, são daquela forma. No seriado existem outros cientistas, outros professores na universidade que não são caracterizados dessa maneira. Basta acompanhar o seriado para constatar.

Mas mesmo que o seriado fosse construído de outra forma, generalizante digamos, Gleiser esquece aquilo que há muito tempo atrás (e que ainda funciona contemporaneamente) Aristóteles definiu como sendo a essência da comédia: a ridicularização.

O ridículo funciona como a provocação de uma paixão alegre que provoque riso em quem  assiste a comédia. Ela é “imitação de homens inferiores; não, todavia quanto a toda espécie de vícios, mas só quanto àquela parte do que é torpe e ridículo. O ridículo é apenas certo defeito, torpeza anódina e inocente;”[1]. Portanto, a comédia é a imitação de atos ridículos, exageros daquilo que existe enquanto atitudes reais. Não é o cientista que é ridículo, mas as ações daqueles homens que possuem sua parcela de ridicularidade, que é exagerada para atingir o cômico. Gleiser, portanto, rejeita aquilo que Aristóteles descreve como sendo parte da essência do cômico.

O físico brasileiro, além de criticar a essência da comédia, gostaria que sua prática (a ciência) fosse heroicizada tal como alguns outros seriados fazem com os advogados ou os policiais que tratam especificamente de descrever romanticamente determinado ofício. “Em raríssimos casos, essas profissões são tomadas como veículos de humor. Ao contrário, os policiais, advogados e médicos são heróis, salvam vidas, resolvem casos complicados, prendem assassinos perigosos. O contraste, para quem tenta combater o estereótipo do cientista nerd na mídia, é doloroso”, afirma Gleiser.

Contudo, esquece que os cientistas já são enaltecidos e reverenciados na maioria das séries em que possuem certo protagonismo. Em Bones é a genial antropóloga forense quem geralmente descobre a chave para resolver determinado crime; em Numbers é um matemático quem ajuda a polícia, também, na resolução de crimes complicadíssimos; em Quantum Leap  um cientista constrói uma máquina do tempo e encara diversas aventuras; em Eureka, uma cidade construída em torno do progresso científico e cujo tema da ciência está presente em toda a narrativa, os ridicularizados são os não cientistas. Os exemplos aqui poderiam se multiplicar. O que fica claro é que em todas essas séries há elementos cômicos que, obviamente, utilizam o elemento do ridículo para produzir o riso.

Portanto, ao assistirmos comédias, o ridículo sempre está presente! Em Scrubs os médicos são bobos e infantis e, alguns, tem sérios desvios de caráter; em Reno911! os policiais estão longe de serem heróis, além do seriado ser um exercício de ridicularização radical, não apenas dos próprios policiais, mas também dos programas documentais (como Cops ou, no Brasil, Polícia 24h) que tentam captar a profissão em sua plena realidade; em Boston Legal, como sempre, os advogados são ridicularizados por suas atitudes nada louváveis e corruptas.

Portanto, caro Gleiser, o seu texto não vai contra o seriado The Big Bang Theory, e sim contra o próprio gênero cômico, que sim, está presente em todas as temáticas de todas as séries. Rir é rir do outro, enquanto os aspectos ridículos desse outro são radicalizados e enfatizados, mas, esse outro somos nós também. Como já dizia Nietzsche, na epígrafe de sua “Gaia Ciência” (a ciência alegre): “Moro em minha própria casa, nunca copiei nada de ninguém e rio de todo mestre que nunca riu de si também”.

Faça você, então, a sua ciência, da forma como magistralmente faz e deixe o cômico com quem sabe fazer, tal como Chuck Lorre e os atores da série, que fazem o que fazem como ninguém jamais fez, tanto para a comédia quanto para a ciência, levando a uma geração inteira de jovens que, ao rirem dos cientistas que tanto amam, acabam despertando uma paixão pela ciência que constantemente vai aumentando. Os prêmios escolhidos pelo público para a série e seus personagens nos provam isso. É possível rir e amar o objeto do riso, além de ser possível, também, desejar ser o objeto do riso.

“Mas certamente existem outros modos de fazer da ciência objeto dramático ou mesmo engraçado sem ridicularizar o cientista”. Sim, existem outras formas de fazer da ciência objeto dramático, e acima já citei, mas, sem o ridículo, meu companheiro, não há cômico.

Trágico é um texto que atinge o ridículo e não está nada perto de ser cômico, senhor Gleiser.


[1]    Aristóteles. Poética, V, 1449a. (Tradução de Eudoro de Souza. Col. Os Pensadores)