Post retirado do site Saindo da Matrix.
Por Paula & Acid
Yoko Shimomura – Dhalsim Stage
Ignorância (em sânscrito Avydia) é um conceito e estilo de vida que tem me inquietado nos últimos anos, por isso procurei o Budismo para compartilhar meus pensamentos e refletir mais sobre o que realmente é a ignorância e onde se propaga. Não foi por acaso essa escolha, já que nesta religião achei muitas provocações que me inquietaram ainda mais. Basicamente, fui motivada pelo estudo de como perdemos a concepção da espiritualidade, ou como nos cegamos para o que é essencial nas relações, na nossa sociedade (que compartilhamos juntos mesmo sem parecer que sim), mas principalmente a ignorância de nós com nós mesmos, que é ponto de partida para todas as outras questões. Em outras palavras: como nos tornamos burros e cegos sobre nós mesmos?
A burrice ou a cegueira vem da ignorância. Ainda que sejam muito semelhantes, pode-se dizer que a ignorância é o fato de a mente nada perceber e a cegueira o fato de nada compreender. Podemos comparar essas duas noções à obscuridade: uma obscuridade sem lua, sem estrelas, sem vela, sem luz!
Emocionalmente a cegueira é a base para outras emoções. Por quê? Repetimos um movimento de forma distraída, por vezes sem se dar conta, até que finalmente aquilo que era fluido se torna cremoso, denso. É a mesma coisa em pensar que movimentamos nossas energias sempre em uma determinada direção, até que finalmente acabamos esquecendo a liberdade que nos possibilitou iniciar o processo. Ficamos preso em algum ponto, fisgados. E o pior disso tudo é que seguimos distraidamente RECRIANDO as causas e as condições de nosso sofrimento por aí.
Sua Santidade o Dalai Lama costuma resumir a filosofia budista em uma frase: “Faça o bem sempre que possível; se não puder fazer o bem, tente não fazer o mal”.
Uma das especialidades do budismo é a noção de que o mundo que nos circunda é inseparável de nós mesmos. Assim, se fazemos o bem para os demais seres e para o ambiente, estamos cuidando de nosso próprio bem. Se causarmos mal aos outros e ao ambiente, estaremos causando mal a nós mesmos. Todos estão ligados aos outros, todos dependem uns dos outros.
O conceito de interdependência budista também sustenta que nós – e tudo o que nos circunda – não temos a solidez que julgamos possuir. Atribuímos identidades e qualidades a tudo e a todos (inclusive a nós mesmos) a partir de uma visão limitada por um padrão binário de gostar e não gostar, querer e não querer. Assim, construímos mundos adequados às limitações de nossas mentes. Esses mundos que surgem inseparáveis das nossas mentes são chamados de Mandala. A palavra Mandala tem origem no Sânscrito e significa “círculo de cura” ou “mundo inteiro”. É uma representação do universo e de tudo que há nele. Mas não se refere apenas a um mundo material, mas à experiência desse mundo com o observador, com os limites cognitivos, com as energias de ação, emoções e com o corpo. Ou seja, o que a física quântica descobriu nos anos 50 sobre o papel do observador na interação inconsciente com o mundo material o budismo já intuía há milênios. Cada mandala surge inseparável de um tipo correspondente de inteligência viva e ativa. Essas inteligências são transcendentes, não-pessoais, não-corruptíveis e livres do tempo. Incessantemente disponíveis, podem ser reconhecidas e acessadas sem esforço ou luta a qualquer momento. A meta budista é sair das mandalas limitadas e chegar às mandalas de sabedoria, isentas do padrão binário de gostar e não gostar (a “Matrix”).
Todos os seres aspiram felicidade e proteção frente ao sofrimento. Nossos pais nos ensinam habilidades para nos aproximarmos da felicidade e nos protegermos. Nossos pais, professores e mestres nos ensinam também a disciplina, e com isso ampliamos nossa capacidade de atingir metas difíceis, atravessar ambientes perturbadores e exigentes e suportar as adversidades momentâneas na busca de realizações maiores. O budismo nos ensina a capacidade de reconhecer mundos puros e inteligências puras, de tal modo que, instalados na experiência desses ambientes puros, as ações positivas sejam naturalmente realizadas sem esforço e sem contradição. Esses mundos puros são as mandalas de sabedoria.
Quando nos inserimos em uma mandala de sabedoria, adquirimos condições de realmente fazer o que é melhor para nós, para os outros, para a humanidade e o ambiente. Somos capazes de viver o amor e a compaixão com alegria e equanimidade, sem nos deixarmos abater pelas dificuldades que apareçam. O mundo ao nosso redor continua o mesmo, mas nós mudamos nosso olhar (o “observador”), e isso muda tudo. Quanto mais pura e mais ampla a mandala, maior a nossa liberdade e capacidade de gerar o bem. Além da inserção pessoal em mandalas de sabedoria, nós, como agentes da cultura de paz, vamos trabalhar para que os outros também possam fazer o mesmo, que possam migrar para mandalas mais amplas.
É a partir do conceito importante de Mandala que a ignorância será aqui representada na Roda da Vida do Budismo Tibetano, não se refere à falta de informação apenas, mas à concepção equivocada da pessoa, especialmente de si mesma, como existindo de forma inerente, e à concepção equivocada de que os fenômenos que fazem parte de seu continuum, como mente e corpo, existem inerentemente. Continuar lendo →