Vico e o Deus da Religião de Noé e Zeus(Céu e o Raio)

Aqui partimos de dois pressupostos para Vico:

  1. Como diz Vico em suas Dignidades: “idéias uniformes nascidas entre povos desconhecidos uns aos outros, devem ter um motivo comum de veracidade”. Ou seja, fábulas, como o Dilúvio e os Gigantes, que são ditas ou versadas em diversas culturas devem ter um motivo. E, estes, são, pravavelmente, relatos da história dos povos Gentios muito antigos.
  2. Outro, é que o homem tem uma natureza poética e sua primeira língua foi a dos gestos mudos na Idade dos Deuses (a primeira Idade).

Assim, pra seguir sua linha de pensamento precisamos nos apoiar em tais pressupostos teóricos e no âmbito do que é muito provável, não fato. Que é o seguinte, para Vico, as fábulas, que contam a história dos povos, diz que houve uma época em que ocorreu um Dilúvio Universal. E como os Gentios, povos desta época, eram rudes em seu pensamento, tinham as mentes:

“nada abstratas, em nada refinadas, de forma alguma espiritualizadas, pois jaziam completamente imersas nos sentidos, totalmente embotadas pelas paixões, todas sepultadas nos corpos”. VICO, Giambattista. Da Sabedoria Poética. Coleção Os Pensadores de 1973. p. 79

E, também, o homem, desde estes tempos, tem a propriedade de “sobre as coisas que os são desconhecidas, as avaliar a partir das coisas deles conhecidas e antevistas”, ou seja os gestos mudos. VICO, Giambattista. Do Establecimento dos Princípios. Coleção Os Pensadores de 1973. p. 34

Então,  neste tempo em que o único meio de comunicação era o gesto mudo, o homem observando tal movimentação e agitação no céu do Dilúvio, o entendeu como um gesto. Sendo esta a base da religião de Noé ou do Dilúvio da Epopéia de Gilgamesh – este último Vico não cita -, pois os rudes homens de antigamente acreditaram haver – porque, para Vico, como as crianças  dão sempre consciência às coisas inanimadas, os povos antigos na infância da humanidade, também o faziam – uma consciência no céu que “relampejou, reboou com trovões e raios terríficos, como convinha pára introduzir no ar, pela primeira vez, uma impressão de tal forma violenta”. VICO, Giambattista. Da Sabedoria Poética. Coleção Os Pensadores de 1973. p. 78

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Ou seja, daí vem a relação do Deus que está no Céu que está empregada em diversas religiões ou teologias poéticas. Esta é a herança da sabedoria poética destes tempos, como Zeus ou Júpiter e seu raio é para o gregos e latinos.

Já a relação dos gigantes com a religião grega, na bíblia – como quando Moisés depois de libertar seu povo se depara com cidades de gigantes, observação esta que pode ser vista no documentário da Discovery ou, Gên 14,5 e no Deuteronômio, 2,10 e 20,21 que falam sobre os emin e zuzim, “um povo grande, numeroso e de estatura alta”-, entre outras¹, Vico escreve que, com o Dilúvio, foi inevitável, para estes antigos, desabitar as planícies e ter que subir aos montes – daí também uma relação com o Monte Olimpo, pois Zeus e outros 11 deuses, filhos de Titans, eram chamados de gigantes -, mas, devido a grande quantidade de chuva, esforçaram-se por penetrar a grande selva que se formou espessíssima e, assim, zeus-01

“Sem o temor algum aos deuses, aos pais, aos mestres, que contém o excessivo da idade infantil, devem ter crescido desmesuradamente em suas carnes e em sua estrutura óssea, desenvolvendo-se vigorosamente robustos, e assim resultando gigantes.” VICO, Giambattista. Da Sabedoria Poética. Coleção Os Pensadores de 1973. p. 75

Hão vários Júpiteres pelas culturas do mundo, uma vez que cada povo tenta contar a história do mundo distorcidamente pelas suas capacidades e suas culturas, mas, dizem os egípcios, que o seu Júpiter Ámon foi o mais antigo).

Mas com sua “natural curiosidade, filha da igniorância e mãe da ciência“, o homem se propôs a interpretar os gestos divinos. E chamaram-se:

poétas teólogos, ou sábios porque compreendiam o falar dos deuses concebido com os auspícios de Júpiter. E foram denominados divinos , com o sentido de “adivinhos”, a partir do étimo divinari, que em sentido próprio significa “adivinhar” ou “predizer”. E a ciência dessas adivinhações passou a chamar-se “musa“, definida acima por Homero como a ciência do bem e do mal, ou seja a adivinhação, a partir de cuja proibição estabeleceu. Deus para Adão a sua religião verdadeira, como se referiu nas Dignidades – é como Vico se refere aos aforismas do livro primeiro “do Estabelecimento dos Princípios” -. A partir dessa mística teológica, os poetas foram chamados pelos gregos mystae, que Horário com justeza verteu para “intérpretes dos deuses“, que esplicavam os divinos mistérios dos auspícios e dos oráculos.” VICO, Giambattista. Da Sabedoria Poética. Coleção Os Pensadores de 1973. p. 81

Tal geração da poesia é-nos finalmente confirmada poe esta sua eterna propriedade:

Que a sua matéria específica é o impossível crível, pois é impossível que os corpos sejam mentes (e acreditou-se que o céu tonante fosse Júpiter)”VICO, Giambattista. Da Sabedoria Poética. Coleção Os Pensadores de 1973. p. 81

E ainda o fazem diversas religiões hoje em dia.


¹ Lucrécio, no livro V do De Natura Rerum, explica que os primeiros habitantes humanos da terra eram maiores, mais vigorosos, mais resistentes do que os atuais. Isso acontecia porque a terra e o céu possuíam ainda toda a força produtora, enquanto mais tarde a terra ficou como um mulher velha, cansada de ter filhos. Essa descrição paradisíaca da juventude do mundo das formas do mito da idade de ouro. (N. de P. A.-B.). Nota retirada do livro de Rousseau da coleção ‘Os Pensadores’ de 1999 página 58.

Vico e os três tipos de jurisprudência

Vico diz que:

“com as três línguas, adequadas às três idades, em que celebram três espécies de governo, conformadas às três espécies de natureza civis, aliás, mudam na trajetória percorrida pelas nações, se constata haver caminhado, com a mesma ordem, cada uma a seu devido tempo, uma conveniente jurisprudência.”

Desses três tipos de jurisprudência, o primeiro foi uma:

  1. Teologia Mística, celebrada ao tempo em que entre os Gentios comandavam os deuses. Mestres dessa jurisprudência  foram os poétas teólogos (ao que se diz, fundadores da humanidade gentílica), que interpretavam os mistérios, dos oráculos, que, em todas as nações responderam em versos. A seguir se constata que nas fábulas estiveram escondidos os mistérios, desta sabedoria vulgar, assim constituída. E se reflete, assim, sobre as razões de haverem tido os filósofos tanto desejo de acederem à sabedoria dos antigos. Reflete-se, também, sobre o ensejo que os referidos filósofos a partir daí obtiveram de despertarem para a meditação de altíssimas coisas em filosofia e na felicidade de introduzir nas fábulas e sua [dos filósofos] secreta sabedoria.”
  2. Jurisprudência heróica, toda ela escrupulosíssima no que tange às palavras, no que Ulisses se notabilizou como prudente. Ciosa era ela daquilo que os romanos chamavam de aequitas civilis (tradução ao pé da letra: equidade civil) e hoje chamamos de ‘razão de Estado’, mediante a qual, eles com suas ideias sumárias , julgaram lhes coubesse naturalmente aquele direito, que no fundo se resumia em quanto e tão-só se explicasse através das palavras. É que ainda hoje se pode observar nos camponeses e outros homens rudes, os quais, em contendas verbais ou de sentimento, afirmam obstinadamente que nas palavras residem a sua razão. Isto tudo, por decisão da providência divina, a fim de que os homens da gentilidade, ainda não aptos para os universais, como devem ser as boas leis, mediante essa particularidade de suas palavras fossem levados a observar universalmente as leis. E, mesmo que por essa tal equidade em algum caso resultassem as leis não apenas duras, mas até mesmo cruéis, suportavam-no nturalmente, pois naturalmente acreditavam ser assim o seu direito.” Os heróis obervavam as leis com um interesse privado extremo, já que os fundiam visando a pátria, que só eles eram cidadãos. Guardando para sua família o desígnio das leis, dando-lhe, ao herói, poderes monárquicos. Mas tudo isto somado ao orgulho próprio de tempos bárbaros fomavam a natureza heróica. Natureza esta, que continha uma “profunda avareza” e “impiedosa crueldade”, mas que visavam salvar suas pátrias.
  3. A equidade natural, que naturalmente impera nas repúblicas livres, onde os povos, pelo bem particular a cada um, que é igual em todos, sem o perceberem, são levados a estabelecer leis universais, e, por conseguinte, naturalmente as desejam benignamente acomodáveis às últimas  circunstâncias dos fatos que requerem igual disponibilidade de uso. Esse o aequum bonum, objeto da jurisprudência romana mais recente, jurisprudência que desde de tempos de Cícero começara a revolta-se contra o edito do pretor romano¹

E, continua Vico:

“Ela [ a última jurisprudência ] é ainda, e talvez até mais, conatural às monarquias, nas quais os monarcas habituaram seus súditos  a atenderem aos seus interesses particulares, havendo os mesmo assumindo o cuidado de todas as coisas públicas. Desejam, ademais, todas as nações  submetidas iguladas entre si pelas leis, a dim de que todas igualmente sejam interessadas no Estado. Pelo que o imperador Adriano reformou todo o direito natural heróico romano mediante o direito natural humano das províncias, e ordenou que a jurisprudência se celebrasse a partir do Edito Perpétuo², composto po Salvio Juliano quase todo apartir de editos provinciais”

1 – Edito do Pretor Romano – Desde o século IV a.C., os pretores encarregavam-se de administrar a justiça. Ao tomar posse do cargo , o pretor costumava promulgar o edito , no qual indicava as normas e princípios que orientariam sua gestão como Juiz .. Tais editos só regiam por um ano , pois o novo pretor poderia aceitá-lo ou não. Na prática , porém os pretores mantinham os editos dos seus predecessores , fazendo , apenas de vez em quando , modificações ou acréscimos , julgados imprescindíveis .
2 – Edito Perpétuo – O Imperador Adriano ( séc. II ) mandou redigir o Edito Perpétuo : compilação das mais importantes normas do direito pretoriano. A tarefa foi realizada pelo famoso jurisconsulto Sálvio Juliano , que reuniu tudo o que achou de aproveitável nos editos dos pretores .

VICO, Giambattista. Princípios de (uma) Ciência Nova. Coleção: Os Pensadores de 1973. p.27 e 28

Vico e a natureza poética

As línguas e as letras nasceram gêmeas. Fato, para Vico,  e quaisquer argumentos contrários eram opiniões extravagantes e monstruosas. E, assim, progrediram paralelamente nas suas três modalidades. Tais princípios se encontram nas origens da língua latina, percebidos na Ciência Nova.

E foi por obra e graça de tais elaboradas razões que se fizeram tantas descobertas no âmbito da história, do governo e do direito romano antigo (…) Inspirados neste exemplo, os eruditos das línguas orientais , grega e, entre as atuais, particularmente da língua alemã, que é língua autóctone, poderão ir ter a descobertas da antiguidade fora de qualquer expectativa deles e nossa.”

Razão de tais origens, seja de línguas seja de alfabetos, é que os primeiros povos da gentilidade, por uma comprovada necessidade natural, foram poetas, e falaram por figuras poéticas. Esta, que é a descoberta basilar desta Ciência, custou-nos a obstinada pesquisa de toda a nossa vida literária, mesmo porque às nossas naturezas civilizads é totalmente impossível imaginar, e com grande esforço apenas nos é dado perceber, essa tal natureza poética dos primeiros homens.”

“Tais figuras correspoderam a determinados gêneros fantásticos (ou imagens, predominantemente de substâncias animadas, seja de deuses seja de heróis, excogitadas pela fantasia deles), a que reduziam todas as espécies ou todos os particulares pertencentes a cada gênero. De forma análoga, as fábulas dos tempos humanos, quais os da comédia recente, são gêneros inteligíveis, isto é, racionalizados pela filosofia moral, dos quais os poetas cômicos formam os gêneros fantásticos (que outra coisa não são as ótimas ideias dos homens em seus respectivos gêneros), isto é, as personagens de comédias. Eis, pois, que tais caracteres divinos ou heróicos percebemo-los quais verdadeiras fábulas, ou narrações verazes. E nelas se descobrem as alegorias, cujos sentidos não são mais análogos, mas unívocos, nem filosóficos, mas históricos de rais tempos dos povos da Grécia.”

Ademais,

justamente porque tais gêneros (quais, na sua essência, as fábulas) constituíam-se engendrados por robustíssimas fantasias, quais as de homens de racioncínio debilíssimo, deles podemos intuir os verdadeiros enunciados poéticos, que hão de ser tidos como sentimentos revestidos de grandíssimas paixões, e, por isso mesmo, plenos de sublimidade e capazes de sucitar maravilha.”

De resto, Vico diz, que as duas fontes de toda locução poética são:

  • A indigência das falas
  • A necessidade de expressar-se e de se fazer entender

E de ambas provêm a evidência da:

  • Linguagem heróica ( della favella eroica )

Que imediatemente sucedeu à:

  • Linguagem muda ( alla favella mutola )

“(…) por gestos ou caracteres que tinham correspondência com as ideias que se intencionava significar, linguagem empregada nos tempos divinos, aliás.”

Em suma,

“através do imperativo fluxo das coisas humanas, as línguas, entres os assírios, os sírios, os fenícios, os egípcios, os gregos e os latinos sabemo-las iniciadas pelos versos heróicos, depois passados a jâmbicos, que afinal foram dar na prosa. Com isto dá-se credibilidade à história dos antigos poetas, e explica-se a razão por que na língua alemã, particularmente na Silésia, província toda ela de camponeses, naturalmente nascem versejadores, sendo que na língua espanhola, na francesa e na italiana os primeiros autores escreveram em versos.”

Todas as citações:

VICO, Giambattista. Princípios de (uma) Ciência Nova. Coleção: Os Pensadores de 1973. p.26

Vico e as três espécies de línguas da Nova Ciência (Metafísica)

Giambattista Vico, que viveu de  1688 a 1744, em sua obra Princípios De (Uma) Nova Ciência (Acerca Da Natureza Comum Das Nações) diz que:

“Esta Ciência Nova, ou seja, a Metafísica, considerando à luz da providência divina, a natureza comum das nações, havendo intuído tais origens das coisas divinas e das coisas humanas entre as nações gentílicas, estabelencendo-lhes um sistema do direito natural das gentes, que, com sua conincidência e constância, passa pelas três idades, pelos egípcios relatadas como ocorrentes ao longo do mundo que os precedeu. “

  • A Idade dos Deuses, “em que os homens da gentilidade acreditavam viver sob govrenos divinos, julgando que tudo lhes fosse determinado através dos auspícios e dos oráculos, ambos representando os mais velhos eventos da história profana.”
  • A Idade dos Heróis, “na qual, entre todos eles, tiveram domínio as repúblicas aristocráticas, já que se apoiavam numa por eles considerada qualificação de natureza superior à dos plebeus.”
  • A Idade dos Homens, “em que todos se reconheceram iguais pela natureza humana, razão por que , primeiramente, celebraram as repúblicas populares e, finalmente, as monarquias, ambas, como acima se demonstrou, formas de governos humanos.”

De acordo às três espécies de natureza e de governos, se falaram três espécies de línguas, que constituirão o vocabulário desta Ciência.

  1. “ao tempo das famílias, em que os homens haviam ascendido, de modo recentíssimo, à condição humana. Sabe-se que ela terá sido uma língua muda, mediante sinais e caracteres que mantinham nexos naturais com as idéias que os mesmos [caracteres e sinais] desejavam significar.”
  2. “falou com intentos heróicos, ou seja, com o uso de similitudes, comparações, imagens, metáforas e descrições naturais, que constituem o maior contingente da linguagem heróica, ao que sabemos, falada no tempo em que reinaram os heróis.”
  3. “foi a língua humana, mediante vocábulos convencionados pelos povos. Dela foram absolutos senhores os povos justamente das repúblicas populares e dos Estados monárquicos, a fim de que os povos dessem valor significativo às leis, que se deveriam subordinar não só a plebe mas também os nobres. Daí porque, redigidas as leis em línguas vulgares, de pronto a ciência das leis escapa às  mãos dos nobres, que delas [as leis], inicialmente, como de coisa sagrada, conservavam uma língua secreta, já que os nobres foram em qualquer parte inicialmente os sacerdotes. Eis aí a razão do caráter arcano das leis juntos aos patrícios romanos, até que surgisse a liberdade popular.”

Os egípcios afirmaram que, respectivamente, foram as três línguas faladas no seu mundo, correspondendo ao nível, número e ordem às três idades que os precederam:

  1. hieroglifíca, sagrada ou secreta, por gestos mudos, convenientes às religiões, às quais importa observá-las do que falar delas.”
  2. simbólica, ou por similitudes, que foi a heróica, como ha pouco vimos”
  3. epistolar, isto é, vulgar, que lhes servia para as práticas vulgares de sua vida.”

Essas três línguas se encontram entre os caldeus, citas, egípcios e as demais nações gentílicas antigas. Porém, a primeira língua, hieroglífica, perdurou mais com os egípcios e até hoje sobrevive com os chineses.