Curso de Extensão: Kant e a Crítica da Razão Pura

 

Estão abertas as inscrições para o Curso de Extensão que será ministrado por mim na Faculdade Mundial. O curso terá a carga horária de 20 horas e ocorrerá do dia 13/07/2015 até o dia 17/07/2015, de segunda a sexta. As aulas se focarão em apresentar os pressupostos teóricos e os conceitos fundamentais para a compreensão da obra “Crítica da Razão Pura” de Immanuel Kant, talvez o livro mais importante de toda a história da filosofia. As inscrições podem ser feitas pelo email: diegoazizi1@gmail.com, através dos telefones 3266-5944/3016-5944, ou pessoalmente na Faculdade Mundial, que fica localizada na Avenida Paulista (em frente ao metrô consolação, esquina com a Rua Augusta) 2.200, 12º andar. O valor do curso é de R$200,00 e pode ser pago via cheque, dinheiro ou depósito bancário. Aguardo a presença de vocês! Link para o currículo lattes do professor: http://lattes.cnpq.br/0411571979996806

Mini-curso online de Filosofia Moderna (Gratuito)

Segunda-feira, dia 22 de maio de 2015, o professor Lúcio Prado dará um mini-curso sobre filosofia moderna, de Descartes a Kant, ao vivo, para todos os interessados. O curso será gratuito.
Lúcio Prado possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994), mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998) e doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Atualmente é professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, atuando nas áreas de História da Filosofia Moderna e Filosofia da Linguagem. Link para o Lattes:  http://lattes.cnpq.br/6780091892383853

O curso será ministrado via youtube, com interação via chat.
Para mais informações e atualizações, confirmem presença no evento do facebook e acessem a página oficial do grupo no facebook.

É imprescindível que os interessados em assistir o curso enviem pedido para entrar na página do grupo! É lá que as discussões e os links do curso serão disponibilizados!

https://www.facebook.com/events/1579410512317642/  (página do evento)
https://www.facebook.com/groups/1582235232031165/?__mref=message_bubble (página do grupo, com as infos atualizadas)
Recomendadíssimo.

Eis uma apresentação do curso pelo próprio Lucio Prado:

Revista Poliética

Aqui a primeira edição da revista do grupo de estudos em Ética e Filosofia Política da PUC-SP.
O tema do qual todos os artigos dessa edição tratam é o da injustiça.
Vale a pena ler.

 

http://revistas.pucsp.br/index.php/PoliEtica/issue/archive

Sobre discursos e linchamentos

Recentemente tenho lido muitos textos nas redes sociais e na grande mídia, cada um expondo sua visão dos ocorridos ultimamente sobre o papel da imprensa e a influência direta das opiniões na população. Deixarei a minha então.
A jornalista do SBT Rachel Sheherazade emitiu uma opinião há um tempo atrás, dizendo que na ausência de Estado, é até compreensível a atitude de justiceiros. Atacou os defensores dos direitos humanos e disse que se tivermos dó de bandido, que os levemos pra casa. Isso depois de um garoto ser espancado e amarrado ao poste e uma reação de repúdio por parte da população em relação aos críticos dessa atitude. Ora, ela disse o que (tristemente) talvez a maioria da população defende.
Logo após isso, uma onda de linchamentos começou no país (38, com 19 mortos,todos inocentes).
Poderemos ter duas posições: ou foi uma coincidência absurda ou tais linchamentos são consequência necessária do discurso.
Bem, tendo a optar pelo segundo caso e explico o porquê.
Existe uma primazia do pensamento em relação à ação. Biologicamente falando. Até o simples levantar de um dedo, mesmo que sem a nossa consciência, é produto de um pensamento prévio. Logo, toda ação pressupõe um pensamento prévio. Analogamente, no plano do social as coisas também são assim. Toda ação é justificada (ou fundamentada) por um discurso (pensamento portanto), por mais precário e ilógico que seja.
Em todos os grandes acontecimentos humanos, absurdamente tristes ou absolutamente felizes, sejam genocídios ou festas populares, há sempre um discurso, qualquer um, por trás.
E não precisa ser um discurso direcionado objetivamente para a ação, basta simplesmente ser coerente com o que as pessoas previamente já defendem.
Vivemos um período politicamente efervescente mas com muita pouca consciência do que, de fato, está acontecendo. Somos um povo com raiva do país (com razão) e, portanto, com raiva de si próprio. Os ânimos estão exaltados e basta apenas um motivo, por mais fútil que seja, para que a bomba exploda.
É nesse sentido que, quem fala à massa, deve ter clara consciência do que pode provocar. Cada palavra pode acender um pavio. Basta apenas uma faísca para que tudo estoure. Quem fala à massa DEVE ter isso em mente sempre. Quando qualquer opinião, irrefletida em suas consequências objetivas, é emitida para a massa, é um discurso que, na polifonia existente, tem primazia sobre outros, pois ocupa um lugar de destaque nessa mesma polifonia.
E basta um discurso dito no ar, que seja coerente com o que uma turba pensa, para que o curso das ações (individuais) passem a ser efetivadas em público.
De pensamentos privados, através de uma opinião emitida em público por alguém que representa um papel “importante”, ações públicas surgem, irrefletidas no momento da ação, mas previamente fundamentadas em um discurso.
Turbas enfurecidas só precisam de uma desculpa, pública, que libere seus ódios mais privados. Afinal, turbas não pensam, apenas usam um pensamento preexistente para se ancorarem.
Portanto, quando uma âncora fala publicamente que “compreende” a ação de justiceiros, a turba entende: “bom, se me compreende, então vamos lá”. Simples assim. Essa significação entrou na polifonia corrente com primazia de alcance e autoridade. “Não foi qualquer um que disse, foi a âncora da tv, famosa, inteligente e que, por incrível que pareça, pensa como eu!” Ora, não há uma legião de pessoas que aplaudiram a jornalista e escreveram: “Falou o que muitos de nós pensam” ou “essa tem coragem de dizer a verdade”?…..Enfim. Isso só reafirma que, dado a posição de quem fala, o discurso toma proporções assombrosas.
Tal discurso poderia ter sido feito de muitas outras formas, mas a escolha no “espaço criativo” da âncora construiu uma significação massiva cheia de consequências. Ela tem responsabilidade sim. Assim como Bolsonaro tem responsabilidade quando diz que homossexual é anormal em seus discursos públicos, e depois homossexuais são espancados na rua. É um discurso que, com alcance e potência, fundamenta o curso das ações. Afinal, toda anormalidade merece ser corrigida, eliminada, para as coisas seguirem seu curso, e se, um político eleito defende isso, tenho minha justificação para tal.
Esse breve ensaio surge como desabafo, apenas. Porém, é também um convite ao pensamento racional.
Afinal, todos devem saber das consequências e influências de seus papéis sociais e do impacto de suas opiniões nesses lugares ocupados.

Todos os livros de Michel Foucault para download

Nesse site do grupo de estudos foucaultianos, todos os livros do filósofo francês estão disponibilizados para download gratuito, assim como livros de comentadores e leituras introdutórias.
Não percam!

http://geffoucault.blogspot.com.br/p/livros-para-download.html

Como viver-só

Nessa apresentação, o filósofo e ensaísta Peter Pal Pélbart, também professor da PUC-SP, fala sobre a vida solitária.
Uma reivindicação da solidão em face ao excesso de comunicação existente na contemporaneidade.

Um trote no estilo Sokal por um filósofo antireligioso (A Sokal-style hoax by an anti-religious philosopher)

Por Jerry A. Coyne


Sou um grande fã do Dr. Maarten Boudry, um filósofo belga que é pesquisador-bolsista do departamento de filosofia e ciências morais da Ghent University. Boudry passou muito tempo mostrando que religião e ciência são incompatíveis, atacando a distinção entre “naturalismo metafísico” e “naturalismo metodológico” (uma distinção bastante adorada pelos acomodacionistas), e geralmente humilhando (
pwning*) “teólogos sofisticados™.”

Vocês podem encontrar minhas discussões anteriores sobre o trabalho de Boudry aqui, aqui e aqui, e se vocês estão familiarizados como o escorregadio teólogo Alvin Plantinga, certifiquem-se de ler a nova resenha de Boudry sobre o livro de Plantinga “Where the Conflict Really Lies: Science, Religion, and Naturalism. A resenha de Boudry está disponibilizada online, começando na p. 21 da the latest newsletter from The International History, Philosophy and Science Working Group.

Mas hoje eu apresentarei algo mais: um verdadeiro trote no estilo Sokal perpetrado por Boudry. Ele me informou ontem que submeteu um falso, pós moderno e teologicamente sofisticado resumo para duas conferências sobre teologia:

A propósito, eu pensei que você pudesse achar isso engraçado. Eu escrevi um resumo fraudulento cheio de baboseira (gibberish) teológica (no estilo Sokal) e o submeti a duas conferências sobre teologia, as duas das quais aceitaram de pronto . O resumo entrou nos processos da conferência de “filosofia reformacional”. Veja Robert A. Maundy (um anagrama de meu nome) na p. 22 do programa”.

Para não dar trabalho para você, leitor, eu reproduzo abaixo, com a permissão de Boudry, o resumo de “Maundy” . Note-se que ele inventou uma faculdade, também, mas a citação de John Haught é real.

Os paradoxos da desordem darwiniana. Acerca de uma reafirmação ontológica da ordem e da transcendência.

Robert A. Maundy, College of the Holy Cross, Reno, Nevada

Na perspectiva darwiniana, a ordem não é imanente à realidade, mas sim um aspecto de auto-afirmação de realidade na medida em que é experimentada por sujeitos situados. Contudo, não é tanto a realidade que é auto-afirmativa, mas a ordem estrutural criativa da realidade que se manifesta para nós. Ser-completo, em oposição ao Ser-um, subscreve o nosso sentido fundamental de localidade e particularidade no universo. A valorização da ordem qua significativa ordem, ao invés da ordem-em-si-mesma, foi completamente objetivada na cosmovisão darwinista. Esse processo de descontextualização e reificação do significado acabaram, em última instância, por conduzir à des-ordem’ ao invés da ‘esta-ordem’(this-order). Como resultado, o materialismo darwinista confronta-nos com a erradicação do significado da experiência fenomenológica da realidade. A teologia negativa, no entanto, sugere a reavaliação da desordem como um pressuposto necessário à ordem, esta sem a qual a ordem não pode ser pensada de uma maneira ordenada. Nesse sentido, des-ordem se dissolve em manifestações de ordem transcendentes ao reino materialista. De fato, ordem se torna somente transparente qua ordem na medida em que está situada em um contexto de caos e ausência de sentido. Essa oposição binária entre ordem e des-ordem, ou entre ordem e aquilo que perturba a ordem, encarna um paradoxo central do pensamento darwinista. Como Whitehead sugere, a realidade não é composta por substâncias materiais desordenadas, mas com eventos ordenados serialmente que são experienciados em um sentido subjetivamente significativo. A questão não é o que estrutura a ordem, mas qual estrutura é imposta na nossa concepção transcendente de ordem. Através do foco estrito sobre o desordenado estado do ser-presentado, ou da “incoerência de uma multiplicidade primordial”, como John Haught bem colocou, materialistas darwinistas perdem o sentido da definitiva ordem no desdobramento do ainda-não-ser. Contrariamente ao que Dawkins afirma, se nós reformularmos nosso senso de “localicidade” da existência dentro de um espaço de contingência radical do destino espiritual, então a ordem absoluta reemerge como uma possibilidade ontológica. O discurso da des-ordem sempre já incorpora um momento criativo que permite a si próprio transcender o contexto no qual encontra a si mesmo, mas também a encontrar conforto e “respostividade” em uma ordem absoluta na qual ambos engendram e retém significado. Criação é a condição de possibilidade do discurso que, por sua vez, evoca-se como apresentando a própria criação. Discurso darwinista é, portanto, somente uma emanação do discurso absoluto da des-ordem, e não o contrário, como materialistas brutos como Dawkins sugerem.

Eu desafio vocês a entenderem o que ele está dizendo, mas claro está que isso apela para aqueles que, mergulhados na Teologia Sofisticada™, adoram muitas palavras difíceis que nada dizem/significam, mas que de alguma forma parecem criticar o materialismo enquanto afirma o divino. Não fará mal também se você humilhar Dawkins algumas vezes.

Isso mostra mais uma vez o apelo da baboseira (gibberish = palavras que nada dizem) religiosa aos crentes educados, e demonstra que organizadores de conferências também não lêem o que publicam, ou lêem e acham que, se o texto é opaco (complicado, difícil) é porque deve ser profundo.


Traduzido livremente e sem muito rigor por Diego Azizi.
Fonte: http://whyevolutionistrue.wordpress.com/2012/09/25/a-sokal-style-hoax-by-an-anti-religious-philosopher-2/

*Pwning (de pwned) é um estrangeirismo de gíria da internet usado comumente em comunidades de jogadores. Quer dizer que uma pessoa foi humilhada por outra pessoa, ou por um grupo. É uma variação de owned, porém mais ofensiva.

Do mundo fechado ao universo ridículo: Marcelo Gleiser e a monotonia dos cientistas que não sabem rir de si

Por Diego Azizi

Marcelo Gleiser é um grande cientista, um físico formidável que, tanto em programas de tv quanto em publicações destinadas ao público não especializado, divulga a ciência e as maravilhas de suas descobertas de forma acessível e apaixonante. Contudo, cai no velho clichê do “especialista quadrado” que fica irritado quando sua classe é ridicularizada, como se ela estivesse, inexoravelmente, imune ao riso.

Na coluna que escreveu para a Folha em 2010* (e descoberta por mim apenas recentemente), reconhece a projeção que os cientistas e acadêmicos estão tendo na cultura pop nos últimos tempos, tanto nos livros e no cinema quanto na televisão, mas ataca ferozmente a imagem que uma sitcom em especial cria sobre os cientistas. A referida série chama-se The Big Bang Theory, e conta basicamente a história de dois físicos, um teórico e um experimental que moram de frente para o apartamento de uma garçonete aspirante a atriz, fazendo com que a relação entre esses personagens proporcione, para cada um deles, novas formas de ver o mundo, com lições e aprendizados que apenas uma perspectiva diferente pode ser capaz de realizar. É a partir daí que se constroem momentos memoráveis na história da comédia televisiva.

Gleiser afirma que “a imagem do cientista é a de um quase pateta, incapaz de funcionar socialmente ou de ter relações interpessoais normais. Neuróticos, afeminados, completamente estereotipados, os cientistas são essencialmente palhaços. Todas as idiossincrasias que se espera do mais nerd dos cientistas afloram a cada episódio. Ou seja, a série usa uma imagem distorcida dos cientistas para criar situações de humor”.

Contudo, podemos identificar uma confusão de Gleiser, ao afirmar que a série usa uma imagem distorcida dos cientistas. Primeiro que ele opera uma visão “metonímica” da narrativa, tomando a parte pelo todo. Não há distorção, há apenas a construção de personagens que são geeks e também são cientistas. Não é a imagem, ou melhor dizendo, não é o conceito de cientista que está sendo construído pelo seriado, mas sim a descrição de que aqueles (e isso é particular e não geral) cientistas em específico, que também são jovens e geeks, são daquela forma. No seriado existem outros cientistas, outros professores na universidade que não são caracterizados dessa maneira. Basta acompanhar o seriado para constatar.

Mas mesmo que o seriado fosse construído de outra forma, generalizante digamos, Gleiser esquece aquilo que há muito tempo atrás (e que ainda funciona contemporaneamente) Aristóteles definiu como sendo a essência da comédia: a ridicularização.

O ridículo funciona como a provocação de uma paixão alegre que provoque riso em quem  assiste a comédia. Ela é “imitação de homens inferiores; não, todavia quanto a toda espécie de vícios, mas só quanto àquela parte do que é torpe e ridículo. O ridículo é apenas certo defeito, torpeza anódina e inocente;”[1]. Portanto, a comédia é a imitação de atos ridículos, exageros daquilo que existe enquanto atitudes reais. Não é o cientista que é ridículo, mas as ações daqueles homens que possuem sua parcela de ridicularidade, que é exagerada para atingir o cômico. Gleiser, portanto, rejeita aquilo que Aristóteles descreve como sendo parte da essência do cômico.

O físico brasileiro, além de criticar a essência da comédia, gostaria que sua prática (a ciência) fosse heroicizada tal como alguns outros seriados fazem com os advogados ou os policiais que tratam especificamente de descrever romanticamente determinado ofício. “Em raríssimos casos, essas profissões são tomadas como veículos de humor. Ao contrário, os policiais, advogados e médicos são heróis, salvam vidas, resolvem casos complicados, prendem assassinos perigosos. O contraste, para quem tenta combater o estereótipo do cientista nerd na mídia, é doloroso”, afirma Gleiser.

Contudo, esquece que os cientistas já são enaltecidos e reverenciados na maioria das séries em que possuem certo protagonismo. Em Bones é a genial antropóloga forense quem geralmente descobre a chave para resolver determinado crime; em Numbers é um matemático quem ajuda a polícia, também, na resolução de crimes complicadíssimos; em Quantum Leap  um cientista constrói uma máquina do tempo e encara diversas aventuras; em Eureka, uma cidade construída em torno do progresso científico e cujo tema da ciência está presente em toda a narrativa, os ridicularizados são os não cientistas. Os exemplos aqui poderiam se multiplicar. O que fica claro é que em todas essas séries há elementos cômicos que, obviamente, utilizam o elemento do ridículo para produzir o riso.

Portanto, ao assistirmos comédias, o ridículo sempre está presente! Em Scrubs os médicos são bobos e infantis e, alguns, tem sérios desvios de caráter; em Reno911! os policiais estão longe de serem heróis, além do seriado ser um exercício de ridicularização radical, não apenas dos próprios policiais, mas também dos programas documentais (como Cops ou, no Brasil, Polícia 24h) que tentam captar a profissão em sua plena realidade; em Boston Legal, como sempre, os advogados são ridicularizados por suas atitudes nada louváveis e corruptas.

Portanto, caro Gleiser, o seu texto não vai contra o seriado The Big Bang Theory, e sim contra o próprio gênero cômico, que sim, está presente em todas as temáticas de todas as séries. Rir é rir do outro, enquanto os aspectos ridículos desse outro são radicalizados e enfatizados, mas, esse outro somos nós também. Como já dizia Nietzsche, na epígrafe de sua “Gaia Ciência” (a ciência alegre): “Moro em minha própria casa, nunca copiei nada de ninguém e rio de todo mestre que nunca riu de si também”.

Faça você, então, a sua ciência, da forma como magistralmente faz e deixe o cômico com quem sabe fazer, tal como Chuck Lorre e os atores da série, que fazem o que fazem como ninguém jamais fez, tanto para a comédia quanto para a ciência, levando a uma geração inteira de jovens que, ao rirem dos cientistas que tanto amam, acabam despertando uma paixão pela ciência que constantemente vai aumentando. Os prêmios escolhidos pelo público para a série e seus personagens nos provam isso. É possível rir e amar o objeto do riso, além de ser possível, também, desejar ser o objeto do riso.

“Mas certamente existem outros modos de fazer da ciência objeto dramático ou mesmo engraçado sem ridicularizar o cientista”. Sim, existem outras formas de fazer da ciência objeto dramático, e acima já citei, mas, sem o ridículo, meu companheiro, não há cômico.

Trágico é um texto que atinge o ridículo e não está nada perto de ser cômico, senhor Gleiser.


[1]    Aristóteles. Poética, V, 1449a. (Tradução de Eudoro de Souza. Col. Os Pensadores)

A espetacularização da dor e a insensibilidade estatística

Por Diego Azizi

 

“Como você se sente?”, pergunta a repórter aos pais e parentes das vítimas de uma das maiores catástrofes do país, o incêndio de uma boate em Santa Maria (RS), que gratuitamente matou 232 jovens estudantes.
Como responder a uma pergunta de resposta tão óbvia, mas cujas palavras insistem em fugir dos lábios de quem é questionado? Como expressar uma dor que mata lentamente quem ainda vive sem a presença de seus entes mais queridos? Qual é a dúvida sobre a sensação de falta de chão da mãe que perdeu três filhos de uma só vez, ou do rapaz que perdeu o amor de sua vida?
O óbvio é explorado pela insensibilidade daqueles que estão lá apenas para cumprir seu trabalho: ser exclusivo e dar audiência.
Perguntas que não informam, números que não consolam, estatísticas que desesperam e um tom de insensibilidade que desestrutura até o mais distante espectador da tragédia. Não foi a bolsa de valores que sofreu uma queda, mas a burocratização do discurso da autoridade que fala com a mais artificial naturalidade sobre 232 mortos, burocratiza o pensamento e o sentimento daquele que ouve.

Quem ligava a televisão e buscava compreender a magnitude do ocorrido (em qualquer emissora) só encontrava despreparo, ausência de informação e exploração do desespero dos que sobraram. Não tem informação relevante, calem-se. “Estava cheia a boate?”, pergunta a repórter. Repetição exaustiva dos mesmos relatos condicionados por inquirições irrelevantes, despreocupação em ouvir os sobreviventes e perguntar aquilo que é mais banal, do tipo “você sentiu muito medo na hora?”, são sinais de completo descomprometimento de uma mídia que calada diria muito mais.

As mesmas respostas decoradas das autoridades, as mesmas informações despreocupadas dadas pelos repórteres, a mesma indiferença sobre a indignação daqueles que viram seus iguais morrendo ali, sem poder fazer nada. O que sobressai é o discurso técnico, o “se”(…).
“Se houvessem mais equipamentos, se houvesse treinamento, se houvesse(…)”, menos mortos seriam contados nos gráficos. O pensamento técnico e pragmático, indiferente à dor, remete à possibilidade da menor intensidade hipotética da desgraça. É como pensar “olha, incêndios ocorrerão, mas menos gente poderia morrer se tal coisa fosse feita”. Isso supõe a desgraça, e não a sua prevenção. Ninguém deveria morrer, não deveria haver incêndio. Que discurso mais insensível busca apenas a minimização de danos? O chefe dos bombeiros que fala com naturalidade sobre a desgraça, falando de normas técnicas, desespera quem ainda possui a faculdade de sentir intacta. E o alvará, estava em dia? O poder de um papel é invocado. Os bodes expiatórios são buscados. Os donos e a banda são assassinos e não os fiscais ausentes que não possuem nem face e nem identidade.

Quando liguei a televisão, fiquei sem palavras, sem pensamento e nem ação. Tamanha desgraça supera as limitações da linguagem. A razão é insuficiente. A racionalidade técnica da mídia e das entrevistas oficiais (des)intensificam nossa capacidade de sentir. Queremos saber o que aconteceu. Mas nos negaram isso frente à pergunta “como você se sente?”.

“As dores pequenas falam; as grandes se calam”, diria Montaigne. Mas o repórter, frente ao mais absoluto profissionalismo insensível quer uma resposta: “Como você se sente?”.

Afinal, um jovem sobrevivente chorando, em câmera lenta, com uma música triste de fundo, é a meta que esses repórteres devem atingir?